Nos meus tempos livres, eu gosto de escrever, penso que é uma óptima maneira para desabafar o que nos vai na alma e para nos dar a conhecer melhor.

Por isso escrevo com alguma frequência:

   Esta novela é um romance muito envolvente, bastante confuso e extravagante que se vai desenrolar num ambiente de estilo latinoamericano e que vai estar enmarcado num mundo muito competitivo, onde todos procuram ser os mais fortes na luta pela detenção da maior quota de comércio no mercado agrícola.
António Lancastre, jovem astuto, perspicaz, mas bastante incompreensível e María del Solar linda, dinámica e inteligente são os protagonistas de um romance único.  Depois as ambições de António e os sonhos de María serão as causas de grande parte do que acontecerá.
 
 



 


       CAPITULO I

      Uma despedida incompreensível.


     - Não vás embora, por favor não vás; eu amo-te pensa em tudo o que passamos juntos, juntos podemos ser tão felizes; - desculpa mas tenho que ir, neste momento tenho que ir, a minha vida vai seguir outro rumo, talvez algum dia volte, mas de certeza que já tu não vais estar a minha espera, - não eu vou esperar por ti, - não vale a pena, resolve a tua vida e esquece-te de mim, eu vou fazer o mesmo contigo, - y tu vais conseguir? eu não consigo, tu formas parte de mim, nunca encontrarei um homem que me faça tão feliz como tu, - não, isso não é verdade, algum dia o saberás, sinto muito, gostei imenso de ser teu namorado e de tudo o que passei contigo mas a vida é assim faz-se de encontros e despedidas e chegou o momento da despedida, continua sendo como es e deixa só um pequeno espaço no teu coração para lembrar-te de mim de vez em quando, tchau Maria, - Antônio não vou conseguir resistir, não vou poder viver sem ti, - vais sim, tchau Maria.

     Antônio dispunha-se a entrar no avião que o levava a Austrália, era a mudança de rumo na vida de este jovem rapaz que pensou ser aos 25 anos a idade para emigrar, só que com um espírito de emigrante muito diferente do comum; não era a ambição do dinheiro que o levava a um lugar tão distante de donde tinha vivido toda a sua vida, eram outros pormenores que só podem ser compreendidos por quem seguiu até então a vida de este rapaz.  Um rapaz com uma forma de pensar um tanto invulgar, pouco falador e um tanto misterioso, a pesar de não deixar de ser muito popular e imensamente querido por todos os que o conheceram alguma vez, pessoas que sentem neste momento se não a mesma dor que a sua antiga namorada, sentem si uma profunda tristeza, porque talvez não possam ver nunca mais um homem de qualidades extraordinárias com o qual dava prazer falar, tal era a sua eloquência e o seu à vontade perante as mais diversas situações, tal era a sua calma e a sus forma simpática até de criticar, sempre de boa maneira o próximo.  Talvez se pense que era um rompe-corações qualquer, que fugia para a Austrália para escapar de esta mulher que tinha entrado até muito adentro da sua pessoa; mas não, Maria foi até agora a única mulher na sua vida; não porque não fosse apreciado pelo sexo oposto, mas por que a sua forma de estar na vida, sempre atarefado com mil e uma coisas para fazer assim o determinaram.

       Acabou a despedida, já Antônio Lancastre tomou assento num dos lugares do meio do avião, tinha como companheira de viagem uma solteirona com o estilo peculiar que as caracteriza, muito bem arranjada, muito pesada e sobretudo muito faladora e convencida; características, estas últimas que não iam nada a condizer com o estado de ânimo pesado e tristonho de Antônio que tomara que ninguém lhe dirigisse a palavra, mas desta vez como em tantas outras a sorte não esteve de seu lado, e foram frequentes as vezes em que o coitado do Antônio teve que desculpar-se com um sorriso tirado a força e ir o bar ou a casa de banho só para deixar de ouvir por um bocado histórias como estas: - como lhe ia dizendo, então, eu não me casei nunca não foi por que não tivesse muitos pretendentes, todo pelo contrário sabe que na escola eu sempre fui muito bem apreciada pelos rapazes...; era de mais para uma pessoa com o estado de ânimo do Antônio que as vezes lá ia dizendo por cortesia: - sim eu acho que você devia ser muito bonita quando jovem...

       Lá em baixo, nas imediações de um imponente aeroporto recentemente construído, tinha ficado Maria, totalmente desconsolada, feita um mar de lágrimas, a vida estava parada naquele instante para ela, nada tinha sentido, tudo era injustiça, dor, não acreditava que a uns poucos minutos atrás tinha visto talvez por última vez o grande amor da sua vida, o homem que a enchia de gozo; mas que ela nunca tinha compreendido por completo e não compreendeu esta sua decisão de irse embora para outro continente a milhares de quilômetros de distância sem deixar-lhe um endereço o um espérame que eu volto; ela sabia que o Antônio amava-a, e isto fazia-lhe mais confusão ainda, mas que classe de homem era aquele que deixava uma namorada a que tanto amava para ir para um pais tão distante sem saber o que lá ia fazer, actuando talvez por instinto ou talvez por loucura.

     Era uma tarde fresca na cidade de Santiago, os pássaros voavam de uma árvore para a outra no parque da cidade donde passeavam muitas pessoas das mais variadas idades, como era de costume naquela cidade, que rodeava aquele que era considerado o seu mais preciado tesouro, o pulmão que mantinha o ar o suficientemente respirável, tão ele é maltratado nesta como noutras grandes urbes pelos fumos produzidos nas mais diversas actividades urbanas.  Era o Parque Nacional do Paraíso muito apreciado e motivo de orgulho pelos habitantes de esta cidade; não era possível acreditar que quem alguma vez tivesse visitado esta cidade não tenha dado uma volta por este parque.

     Era neste ambiente, donde a frescura do ar que permitia a robustez de vegetação, donde os pássaros entoavam as mais lindas melodias, donde o sol espreitava por entre a vasta folhagem dos árvores, era aqui donde namoraram muitas vezes Maria del Solar e Antônio Lancastre, donde confessaram o que sentiam um pelo outro, donde conheceram-se melhor, donde fomentaram esta relação tão íntima que encheu de felicidade os seus corações até esse dia em que Antônio decidiu partir, partir para um destino, que de certo nem ele faz a menor idéia do que será.

     É por este ambiente, que se encontra hoje a Maria a deambular, como de costume mais agora sozinha, sem o abraço e o calor que lhe oferecia o Antônio, agora não conversava com ninguém, só refletia, só falava consigo mesma, estava a tentar voltar atras e reviver tudo o que foi a sua vida junto do Antônio, e isto fazia-o sem pensar se era o melhor ou era pior para o seu estado de ânimo; mais ela só fazia o que o seu instinto lhe pedia ou talvez inconscientemente tratasse de descobrir uma explicação a ida de Antônio.  Não demorou muito em deter a sua mente no dia em que conhecera o Antônio.
 
 

 

CAPITULO II
 
Um encontro que mudaria a vida de duas pessoas.



          Antônio Lancastre, viveu toda a sua vida na pequena povoação rural de Santa Inês, era a sua terra natal e o lugar onde os seus antepassados tinha feito as suas vidas, tendo como principal ocupação a agricultura na qual destacava o cultivo do algodão.
 
           Foi precisamente o algodão que levou um certo dia de meados de Agosto a este inteligente e vivaz jovem a sair pela primeira vez da sua terra natal e deslocar-se a uma cidade e logo a capital da nação, foi enviado pelo seu pai como emissário para por termo a certos pormenores referidos a um importante negócio envolvendo claro está o algodão, nunca esperaria este rapaz que tal viagem fosse tão cheia de sucessos importantes para a sua vida.
 
       Eram as 7 A.M. quando saiu da estação o comboio de Malacas, capital da província de Jalisco da qual fazia parte Santa Inês a povoação berço dos Lancastre, esperava a Antônio Lancastre uma viagem longa y cansativa, muito por causa dos deficientes serviços da companhia ferroviária que fazia as ligações entre Malacas e a capital, muito lentos y muito incômodos eram os comboios desta companhia, mas Antônio não era homem de muitos reparos e a uma conversa principiada por um outro passageiro muito menos conformado com o serviço de que ia dispor, só disse: - em realidade não é muito bom este serviço, mas podia ser pior, ao qual respondeu o seu interlocutor com um você está maluco, pior que isto é impossível, e virou-lhe costas, entretanto Antônio voltou-se para o que estava a fazer até então, estava a devorar com entusiasmo um velho livro, já de folhas amarelas, era um livro de história, que relatava a historia de Santa Inês e seus redores, Antônio sempre gostou de saber o passado da sua terra, tentando compreender o presente daquela povoação que se tinha convertido num povo quase de fantasmas.  De vez em quando descansava a vista com uma olhadela através da janela, onde podia contemplar as belezas da extensa planície por donde passava a linha de comboio, um pasto muito verde, animais que comiam descansadamente dando maior colorido ao ambiente e oferecendo-lhe com os seus lentos movimentos uma dinâmica que lhe otorgava mais vida.
 
       Eram 11:30 A.M. haviam passado 4 horas e meia quando o comboio chegou a estação de Campogrande, aqui Antônio devia tomar outro comboio que o levaria agora sim de vez até a capital, estaria somente a umas quatro horas, se não acontecesse algum imprevisto, que de resto não são muito comuns, a pesar das deploráveis condições em que se encontravam a generalidade dos comboios que faziam a rota.

        Tinha meia hora Antônio, para dar um olhadela pela estação e embarcar no outro comboio, a sua bagagem só constava de um pequeno saco com algumas peças de roupa e o seu inseparável livro de história; e isto porque dois dias na capital seriam mais que suficientes para resolver os assuntos que ia tratar, a final o negócio estava practicamente feito e não deviam surgir contratempos.

         Antônio havia chegado ao ponto mais longe a que se tinha afastado alguma vez de casa; já tinha vindo a esta pequena cidade atravessada pelo rio Tropical, duas vezes, sempre para tratar de assuntos de negócios.  Mas era de facto muito pouco, para uma pessoa que pretendia ter uma visão muito mais geral do mundo, mais que pelas circunstancias em que a sua vida se tinha desenvolvido até então assim o obrigaram, era este dia donde Antônio Lancastre conseguiria ultrapassar os 350 Km. que separam Campogrande de Santa Inês e percorreria mais 300 até chegar a capital e visitar assim um sitio que ele nem imaginava o que iria lá encontrar, por isso muitas vezes durante a viagem e facto que não passou desapercebido aos seus acompanhantes, ele olhou para o seu relógio e como que dizia mentalmente, - o tempo não passa, estava um pouco impaciente, facto não muito comum em ele, mais a singularidade das circunstancias assim o determinava. Preocupava-lhe a pesar da sua confiança e habilidade para os negócios, reconhecida por todos; a tarefa que lhe estava encarregue levar até ao fim, se era verdade que estava quase tudo resolvido, não era menos verdade, que a menor falta de tacto e perspicácia, podia deitar tudo a perder, não faltavam muitos competidores ao seu negócio, até alguns vindos da própria Santa Inês, era uma responsabilidade de vulto para este jovem de apenas 23 anos e com nenhuma experiência a tratar com negociantes da capital, um novo repto se deparava neste momento a este singular rapaz.

         Poucas horas mais tarde, Antônio virasse de repente para a janela e começa a admirar por primeira vez na sua vida uma grande urbe, cheia de casas, prédios e com um movimento em nada comparável a tranquilidade desesperante de Santa Inês.  O comboio chegava a Santiago.  Antônio apressa-se a colocar no seu saco de viagem o livro que tinha estado a devorar alternadamente com as suas contemplações da paisagem que rodeava à linha do comboio; fecha-o e rapidamente dirige-se a saída, tal qual um menino cheio de curiosidade e entusiasmo, mais neste caso com um miudinho nervosismo pelo meio, apenas põe os pés no chão e já sofre as consequências de uma cidade cheia de problemas sociais, um rapaz jovem de uns 18 anos que acabava de roubar a carteira a uma senhora tropeçou com ele, mais ainda conseguindo fugir deixou o pobre Antônio estatelado no chão queixándose de um joelho, tinha caído mal e batido com o joelho, eis o momento em que uma muito elegante e linda rapariga testemunha da situação se apronta a socorre-lo: - desculpa, magoas-te, posso ajudar; era uma rapariga muito sensível, estudava enfermagem e era uma “rainha da simpatia”, como a definiam os seus amigos.

        Era, o momento do encontro entre Maria del Solar e Antônio Lancastre.  Maria ajudou-o a levantar-se, logo após este afirmar que já estava bem, seguiu-se o seu agradecimento e um trocar de olhos verdadeiramente significativo, como aqueles trocares de olhos que todos alguma vez tivemos na rua, e que se ficam por aí, por um gesto muito bonito; mais a verdade é que neste caso tudo iria ser diferente, este trocar de olhos só iria ser o começo de uma relação muito intensa entre estes dois jovens.

        Maria, ofereceu-lhe então ajuda, a qual Antônio cortesmente rejeitou afirmando que estava bem, mas Maria insistiu dizendo que era enfermeira e Antônio então disse-lhe:  - o que eu preciso neste momento não é uma enfermeira, mas sim um táxi que me leve a Distribuidora Santiago, dito isto Maria ficou algo surpresa e não conseguindo conter uma gargalhada repondeu-lhe: - então também o posso ajudar; então você também é taxista disse-lhe Antônio, e ela rindo agora com mais intensidade, disse-lhe que o seu tio era um dos sócios daquela empresa e que ela por acaso se dirigia nesse momento para lá, para falar com o seu tio de um assunto particular, dito isto o pragmático e pouco risonho, ainda que sempre bem disposto Antônio começou a rir-se também, neste momento os dois riam-se juntos, a Maria já estava a conseguir ser uma pessoa especial para o Antônio, uma pessoa que o fazia descompor assim no riso, não era qualquer, não porque ele não fosse uma pessoa bem humorada e alegre, mas eram atributos que ele fazia transparecer não precisamente por gestos físicos, mas propriamente, pela forma e conteúdo do seu falar e entusiasmo que sempre irradiava.

     Como não podia deixar de ser, Antônio teve que aceitar o convite de Maria para leva-lo à Distribuidora Santiago, durante a travessia, Antônio tinha que fazer um esforço para conseguir ao mesmo tempo olhar e falar para a Maria, assim como apreciar todas as diferenças de uma grande cidade para a sus pequena aldeia na vasta planície do interior.  Era muita coisa junta, muitas emoções ao mesmo tempo para este jovem que se sentia como perdido naquele “novo mundo” de pessoas que parecia que actuavam a uma velocidade vertiginosa.

      Antônio, com o seu ar de desconfiança, só confessou a Maria que vinha fazer um negócio com a empresa do seu tio mais não quis entrar em pormenores, ainda que pouco experiente e desconhecedor dos meandros na vida de uma cidade, Antônio, era possuidor de uma inteligência invulgar, sabia bem que as vezes è fundamental não falar de mais e pela sus própria inexperiência era melhor não arriscar e tentar primeiro familiarizar-se com as coisas que encontrava ao seu redor.

       Maria, muito conversadora, com o seu ar de menina, mas por dentro muito madura e com um espírito muito nobre, abriu-se ao desconhecido e contou-lhe algumas das coisas de que fazia parte o seu dia a dia.  Partilhava os seus estudos de enfermagem com um trabalho de secretária na empresa do seu tio, no momento em que encontrou o Antônio na estação vinha de passar umas férias com uns amigos no litoral do país, aproveitando a tranquilidade do mar, para descansar um pouco da vida rutinária muito asfixiante que vive uma pessoa como Maria muito dinâmica, numa urbe muito congestionada como Santiago.

         À chegada a Distribuidora Santiago, Antônio ficou de veras impressionado com a grandeza da construção, e ao entrar nas suas instalações ainda mais, ao ver tantos trabalhadores e ao ver tantos escritórios; Maria não ficou alheia a tal facto, e ante o assombro que Antônio deixava facilmente transparecer, perguntou-lhe: - algum problema?,  Não, só que isto é um bocado grande e diferente as empresas que eu conheço, estava-se a referir as pequenas industrias de algodão da sua aldeia, que não se comparavam em nada em infraestructuras, ao que ele tinha a frente dos olhos.  Maria, sorriu e ofereceu-se a leva-lo ao gabinete do seu tio, que curiosamente era a pessoa a qual Antônio se devia dirigir para a realização do negócio.

      -  Muito bem, um prazer Antônio, sente-se por favor, foram as primeiras palavras que o Sr. Pedro Mendoza dirigiu a Antônio, o qual estava um bocado receoso, um tanto nervoso e sobretudo desconfiado, a primeira vista, parecia que o tio da Maria não lhe deixou boa impressão.  Maria já lhe tinha alertado para o caracter forte do seu tio, da sua maneira muito própria de tratar as pessoas com certo ar de desprezo, mais que no fundo era um homem íntegro, honrado e de bom coração, só que a vida e a sua própria posição à frente de uma empresa tão grande e importante assim o requerem de alguma forma.

           Antônio, sentou-se, olhando para os olhos do Sr. Mendoza, este sorriu e disse-lhe: -  assim que tu es o filho de Carlos Lancastre, um bom homem sabes, muito sagaz e sabedor do negócio do algodão; mas pouco corajoso, falta-lhe a vivacidade, o desenvolvimento das pessoas que moram numa cidade, que se debatem com os mais sérios problemas e inimigos, portanto tu ainda com um grau de inexperiência muito elevado, deverás sentir muitas mais dificuldades, mais o teu pai disse-me que es muito inteligente, a ver vamos.  Em quanto ia dizendo isto, Antônio olhava e ouvia muito tranquilo, não deixando transparecer, nenhum sentimento de desagrado, ainda que talvez o sentisse, mas o escudo que a sus personalidade formava ao seu redor escondia o que lhe ia na alma nas mais variadas situações.

        Ao parar de falar, Antônio só disse,- sou muito novo e inexperiente, é verdade, é a primeira vez que venho a uma cidade como esta, mas tenho uma vontade de vencer e tenho uma confiança tal nas minhas capacidades, que estou convencido que irei conseguir levar um óptimo negócio para o meu pai e deixarei o senhor muito satisfeito também, se duvida, vamos começar logo a tratar de negócios, para desfazer as suas dúvidas.

        Frases curtas, mas ditas, de uma maneira muito segura e com uma firmeza que conseguia intranquilizar o todopoderoso homem de negócios Pedro Mendoza, que rapidamente compreendeu que tinha um, ainda que inexperiente, jovem determinado à sua frente e que sabia o que queria e parecia ser capaz de defender tão bem o ainda melhor que o seu pai os interesses dos Lancastre.

        Passadas, varias horas, com um almoço pelo meio, estavam a cumprimentar-se Antônio e o Sr. Mendoza, após intensas e difíceis negociações tinham chegado a um acordo.  Antônio estava consciente de que tinha ganho a batalha, tinha resultado a sua capacidade de persuasão.  Pelo outro lado, o Sr. Mendoza, estava um bocado pensativo, apesar de que tinha feito um negócio positivo também para ele, ainda que um bocado aquém das suas expectativas, muito por causa da sagacidade de Antônio, sentia-se como derrotado pela capacidade de argumentação de um jovem de 23 anos inexperiente e a tratar de negócios pela 3º o 4º vez na sua vida.

         Mas, por outro lado estava, como que surpreso, pensava para ele, que classe de jovem é este, tal é a sua determinação em defender os seus interesses,  tal é a sua capacidade de argumentação que o deixava sem qualquer tipo de resposta.  Mas por entre meio de tudo isto estava a nascer, uma certa admiração por este rapaz.
 
 
 

 CAPÍTULO III

Um novo repto.



       - Maria, por favor, trata dos papeis para definir o negócio com este senhor; como você diga tio; foi assim como Maria e Antônio dirigiram-se a um pequeno escritório donde Maria desenvolvia o seu trabalho, como secretária na Distribuidora Mendoza, eram então as 9 da manhã do dia seguinte, Maria tinha trabalhado com afinco para ter os papeis preparados para serem assinados por Antônio, primeiro porque era a sua maneira de fazer as coisas, segundo porque tinha uma necessidade especial de ficar bem vista aos olhos de este rapaz camponês de origem, mas que talvez não tenha nada a ver com as suas origens.

       Trocaram meia dúzia de palavras, no caminho que levava ao escritório de Maria, entretanto Antônio ia como sempre muito observador e muito detalhista, ia fixando o seu olhar pelos múltiplos escritórios, que conformavam quase um labirinto, Antônio adorava ver isto, adorava pensar que algum dia lhe fosse possível conviver no meio de tudo isto.

      Entretanto Maria, pergunta-lhe o que ele tinha feito ontem ao fim da tarde e à noite depois de concluir o negócio, Antônio lhe respondeu de forma habitual, com  uma descrição enorme mas com uma firmeza pouco comum, disse-lhe, estive a conviver com uma pessoa, que espero bem que seja meu amigo num futuro muito pouco próximo, palavras estas que não teriam nada de estranho se não fossem ditas por este homem,  o que ele queria dizer com isto, era que esteve a conviver com uma cidade que esperava ser pronto, não digamos sua morada, mas sim um lugar donde ele estivesse muito tempo.

       Claro que Maria, percebeu a própria semântica da frase, sem sequer imaginar que este homem tão peculiar estava a começar uma especie de parábola, que iria envolver desde aquele momento a sua vida, e assim ingenuamente perguntou; será algum outro negociante do algodão?, ao qual respondeu Antônio, - não, este potencial amigo de que falo é muito mais imenso e poderá influenciar muito mais a minha vida que um simples negociante de algodão, deixando transparecer um sorriso tímido, não muito comum em ele, mas esta mulher, fazia-o mudar um pouco a sua maneira de tratar aos seus semelhantes, era algo que ele não podia evitar, estava no seu subconsciente; Maria ficou um bocado perplexa, mas já se ia habituando a estas respostas um bocado confusas e muito profundas, de Antônio Lancastre.

        Depois, de sair do restaurante “O melhor de Santiago”, que ficava tão só a uns passos do famoso Parque Nacional do Paraíso, numa zona de excelentes restaurantes, donde os muitos empresários de Santiago agendavam a conclusão de importantes negócios.  A “alma” de Antônio começou a ficar sobressaltada, logo quando concluiu o negócio e tomou conhecimento do nome do restaurante donde tinha vencido a sua primeira grande batalha na sua vida como negociante; era em verdade sugestivo este nome para o estado de ânimo de Antônio, sentia-se mesmo o melhor naquele momento.

      Mas ao mesmo tempo, ao ver tantos empresários, começando pelo seu interlocutor o Sr. Mendoza, já com uma vida feita, com esse ar de todopoderosos, conferia-lhe uma angustia miudinha, a ambição era muita, mas sabia que teria que lutar muito, talvez o dobro do que qualquer um desses empresários.

      Mas a sua determinação era mais forte.  Logo depois de despedir-se do Sr. Mendoza e de arranjar alojamento num hotel, decidiu dar umas voltas pela cidade de Santiago, a pé, enquanto ia caminhando, as suas idéias iam fluindo também a passo na sua mente.

      Nunca tinha estado perante tantas pessoas juntas, perante tanto ruído, perante tanta poluição, estava a viver nestes primeiros momentos, o dramatismo de estar perante um mundo completamente distinto ao de ele, era um mundo tão amplo, sem limites, tudo era gigantesco.  Antônio sentia-se como um menino, ficava maravilhado ante tantos e tão magníficos carros, ele que só tem um pequeno carocha já de duas décadas de antigüidade; não parecia o discreto Antônio, agora ria sozinho ao imaginar:  Que tal pareceria eu dentro de um de aqueles descapotáveis, umh!, acho que não tão mal e se tivesse acompanhado de Maria, seria o paraíso, dito isto ria consoladamente, estava a sonhar, e por quê não podia sonhar em estas coisas, era tão só um jovem, que tinha acabado de alcançar um grande êxito na sua vida, era um jovem que apesar do limitado mundo em que vivia, agora pareceria que se lhe abrissem as portas do paraíso, numa “cidade de feras”.

       Assim continuou Antônio, até que o cansaço lhe chegou e então decidiu voltar ao hotel, donde comeu do melhor e dormiu num quarto que não ficava muito aquém dos sonhos de este rapaz; começava Antônio a fazer das suas...

          Sentaram-se os dois e Antônio depois de ler minuciosamente os términos do contrato acedeu a assiná-los baixo o olhar encantado de Maria, ela estava de verás impressionada com este rapaz, e sentia uma certa revolução dentro de si quando ouvia falar a Antônio.  Acabadas as assinaturas, enquanto estavam a dar-se um aperto de mão, e os seus olhos estavam impregnados, num olhar mutuo, muito significativo, ouve-se o som do telefone, era o senhor Mendoza, - Maria, esse jovem ainda esta aí, - sim tio, então trá-lo ao meu escritório, por favor, quero falar com ele, - sim tio.  Mal sabiam Antônio e Maria, quanto ia significar este telefonema e os minutos seguintes para as suas vidas.

        Maria acompanhou  Antônio até o escritório do seu tio e entrou com ele, o seu tio pediu-lhe a ela para que ficasse, o Sr. Mendoza nutria uma grande admiração por esta sua sobrinha, considerava-a muito inteligente e de uma ajuda preciosa para ele, por isso confiava muito nela.  - Rapaz, disse o Sr. Mendoza, estive a pensar ontem a noite nos pormenores do negócio e na forma como te bateste pelos teus interesses, e confesso-te que fiquei muito admirado, deixaste-me uma impressão muito boa, dito isto cruzaram-se os olhares dos dois jovens presentes na sala, como que dizendo-se um ao outro, donde quer chegar este homem, parece que algo muito interessante está por acontecer, e era mesmo, o Sr. Mendoza, prossegui de esta maneira:  - tomando em conta isto tudo e que falta-me um homem que funcione como a minha mão direita em certos negócios, quero pedir-te para ficares a trabalhar aqui comigo, se for teu desejo estás contratado, para trabalhar na Distribuidora Santiago, e passo então a explicar-te as tuas condições; ante isto o coração de Antônio como que deu um grande salto, tudo dentro de ele se mexeu, era uma emoção muito forte, é que o que acabava de escutar, fazia com que os seus sonhos, que eram até há pouco só isso sonhos, estivessem muito, mas mesmo muito perto da realidade, era algo magnífico, grandioso.

      Mas pronto o menor dos filhos de Carlos Lancastre, caiu da nuvem em que se tinha colocado, para pensar no que fazia agora na sua vida, na importância capital que tinha para a sua família e para o seu negócio do algodão, abandonar o seu pai agora era como dar uma bofetada nele, na sua família e nos seus próprios objectivos a curto prazo, ele sabia que a sua familia não merecia um desprezo tão grande agora.

       Entravava-se uma dura luta entre dois sentimentos opostos que pertenciam a Antônio, e ante o olhar expectante de Maria e o Sr. Pedro Mendoza, a espera de uma resposta, Antônio estava mudo, o choque era demasiado, por muito frio que fosse não conseguia esconder uma grande revolta dentro de si, estava quase a tremer, mas pronto retomou o controlo e afirmou:  Agradeço muito o seu convite mas neste momento não posso, Maria e o Sr. Pedro ficaram totalmente fora de si, ainda que pudesse passar pela suas cabeças uma negação de este homem, nunca pensariam que o faria de uma forma tão determinada e firme, mas ainda quando esteve muito tempo a meditar.  Mas o cérebro de Antônio funcionava de essa maneira, tão pronto como tomava uma decisão, não importava quanto difícil era, não vacilava em referi-la sem olhar para trás.  O Sr. Mendoza, sacudindo um pouco a sua consternação perguntou-lhe, o que é capaz de cortar tamanhas ambições num jovem inteligente e determinado como tú?, - prometi ao meu pai e a mim mesmo que faria que a nossa productora de algodão, voltasse aos anos brilhantes que algum dia não muito longínquo teve, e isso agora é fundamental para mim, - mas isso tem limites, nunca vais poder ser com essa empresa, o que podes chegar a ser nesta, - sim talvez tenha razão, mas agora toda a minha determinação vai para essa empresa.    Maaas! me atreveria porque a sua proposta me tenta de verás, a oferecer-lhe uma contra proposta:  ficaria a trabalhar aqui em part-time, isto é passaria a maior parte do tempo aqui, mas quando fosse necessário me entregaria de pleno a empresa do meu povo, está nas suas mãos o meu destino senhor, disponha você agora;  ante estas palavras, ficou ainda mais impressionado o Sr. Mendoza e apesar de não ser bem o que queria, e de que teria outra vez que recuar ante a eloquência de este rapaz, não hesitou por considerarlo valorosíssimo, em aceitar contratar a Antônio nos términos que ele dispôs.

        Era uma nova grande victoria para o rapaz de Santa Inês, o seu sonho ficaria muito mais perto da realidade, e por cima, foi ele que dispôs as condições baixo as quais trabalharia numa das empresas mais promissoras de Santiago.  Era em verdade um homem de temer, um homem capaz de vencer e tornar realidade os sonhos mais inverosímiles.

          O acontecido, agradou sobremaneira não só a Antônio, mas  também a Maria ainda que não sabendo bem por que, experimentou uma sensação de alegria, que a deixou um bocado pensativa,  passadas poucas horas, Maria já lhe tinha mostrado todas as instalações da empresa a Antônio, conversaram muito os dois, da empresa e não só, até chegarem a hora do almoço, e então Antônio convidou Maria a almoçar ao “Melhor de Santiago”, de agora em diante este restaurante ficaria irremediavelmente ligado as logros de Antônio.

       Não foi difícil convencer Maria que aos poucos se ia deixando entusiasmar por este homem que de repente apareceu na sua vida e que facilmente entrou nesse mundo mágico, doce e muito dinâmico, que criava ao seu redor esta lindíssima mulher capitalina.

          Conversaram muito, mas nada a ver com os negócios, falaram de cada um, das suas idéias, seus sonhos, e chegaram a conclusão que tinham muitas coisas em comum, e que encaixavam-se muito bem um no outro, era fácil tratar-se mutuamente, parece que o destino, ajudasse ao seu acercamento, não só físico. mas também sentimental .

        Eram então as seis da tarde, quando Antônio se dispunha a entrar no comboio com destino a Santa Inês, uma larga travessia lhe esperava, mas não havia problemas, ainda que já tinha acabado de ler os últimos capítulos de aquele livro da história do seu povo que devorou intensamente na viagem da vinda, agora tinha coisas a mais para acompanharlo, eram os seus pensamentos que se dirigiam por entre três vertentes:
Primeiro: o haver aceitado trabalhar para a Distribuidora Mendoza, Segundo: como lhe iria dizer isto ao seu pai e Terceiro: reviver as cenas em que conviveu com essa maravilhosa mulher, que começava a entusiasmarlo, sim a entusiasmar a Antônio, o qual sempre foi muito pouco interessado e muito pouco atarefado com problemas do coração, mas aqui está a prova de que por muito fortes que sejam alguns humanos, quando chega o amor até o mais forte cede...
 
 
 

 

CAPÍTULO IV

Uma tarefa complicada.


     Era de verás, uma tarefa complicada, a que tinha por diante Antônio Lancastre, de certeza que a óptima noticia que lhe daria ao seu pai pelo fabuloso negócio que conseguiu, ia ficar muito por baixo da noticia do novo emprego de Antônio, isto seria um duro golpe para o chefe dos Lancastre, o Sr. Carlos, homem piadoso, muito solidário com o seu povo, amante dos velhos costumes, um homem de campo, mas muito astuto na  arte de toda a sua vida, a produção do algodão, herdou esta arte do seu pai, o Sr. Reinaldo, este sim um homem mais recio, mais frio, a maneira do seu neto predileto, Antônio.

      Carlos tinha aprendido tudo do seu pai, foi educado numa casa muito conservadora, poucas foram as vezes que saiu de Santa Inês ou dos arredores, mas viveu os seus anos mais activos, numa época de bonança, de “vacas gordas”, quando Santa Inês era em verdade um paraíso, donde os vários productores de algodão, competiam pelos melhores dividendos, mais lutava-se, de maneira correcta, e até se podia dizer que era uma luta benéfica, era o estilo capitalista que dava os seus frutos numa humilde terra do Chile.

     Mas foi também Carlos, quem teve que enfrentar, os piores anos de Santa Inês, a morte do paraíso, para converter-se num povo de fantasmas, donde o eco da ruína e a miséria fazia-se sentir por todas partes.

      A derrocada do império do algodão na província de Jalisco, começou quando certos grupos produtores inescrupulosos, valeram-se das suas afiliações políticas, para tentar arrumar com os produtores mais fortes, mas honestos, dos quais faziam parte a família Lancastre, era o senhor Reynaldo e o seu irmão Gonzalo, desde há muitos anos os homens chaves desta organização produtora, que começava a ter  em Carlos um forte relevo, pois os anos de duro trabalho começavam a pesar em Don Reynaldo e Don Gonzalo.

        Grupos como os irmãos Linares, os primos Melgar e uma família alemã, os Graf, foram os principais responsáveis pelo sucedido; os Graf uma família composta, por ex-oficiais da guerra, alguns deles fiéis adeptos do todopoderoso Hitler, era uma família muita rica, que tinham fugido da Alemanha, por certos negócios ilícitos, e que viram nesta pequena província do sul de Chile, o lugar ideal para refugiar-se; a sua influência no conflito não tinha os mesmos interesses que os outros grupos, não lhes interessava muito o dinheiro, mas sim, tinham a necessidade de sentirse poderosos, talvez influenciados pela doutrina nazi.   Igualmente queriam satisfazer a sua sede de vingança contra aqueles que sempre os viram com maus olhos desde a sua chegada a Jalisco, também tinham matado numa luta de bar a um dos seus membros, e ao parecer o autor foi um membro da família Silva, uma das famílias mais honestas e muita amiga da família Lancastre, muitas vezes faziam negócios juntos.

        Os outros dois grupos, eram movidos principalmente pela sede de dinheiro, estavam ressentidos pelo seu menor êxito, e queriam a tudo custo mudar a situação, só que não olharam a meios, e começou a onda de atropelamentos contra os interesses dos Lancastre e outros produtores que detinham a principal quota de mercado, eram impostos muito altos, eram constantes inspeções que arranjavam maneira de encontrar certas irregularidades, para multar os produtores; era a negação de outorgar créditos por parte dos bancos e eram actos vandálicos contra camiões e propriedades, tudo o qual era demais para os Lancastre, que não tiveram meios para fazer frente a tantos ataques e portanto irremediavelmente a produção baixou, começaram a enfrentarse em múltiplas disputas com tribunais, de donde quase sempre eram derrotados, pois estes estavam comprados.  Era uma onda de corrupção muito grande.
 
       Tudo o qual não ficava indiferente aos principais clientes destas produtoras, que rapidamente se aperceberam da situação, o qual levou as produtoras de Jalisco e principalmente de Santa Inês ao descrédito, levando a que eles procurassem outras produtoras em outras partes do país, de modo que o conflito não só afectou os Lancastre e famílias honestas, se não também os próprios geradores do conflicto.  E não demorou muito tempo a que alguns membros da família Graf, em várias partes do país, donde não estavam ao abrigo das autoridades cúmplices de Jalisco, fossem apanhados inflagrantes nos mais sérios delitos, acabando presos.

       Mas o mal estava feito, e o fantasma do desemprego arrasava os povos de Jalisco,  muitos camponeses que se tinham deslocado dos arredores para trabalhar na proeminente industria do algodão, encontravam-se de pronto sem trabalho, não podendo fazer outra coisa que emigrar, buscando novos horizontes.

      Foi assim como Santa Inês, aquele pequeno povo, mas sempre muito alegre, cheio de festas de fim de semana, e de competências muito interessantes, como corridas de cavalos para os mais jovens e ágiles, jogos de domino e cartas para os mais velhos e danças para as mulheres;  as pessoas conviviam diariamente num ambiente muito são, mais aos poucos foi ficando deserto, sem chama, sem os seus fins de semana cheios de alegria e diversão, incluso, alguns membros da conservadora família Lancastre tiveram que rumar em busca de melhor vida, o próprio  irmão de Antônio, Leandro, mais velho que este 6 anos, foi convidado a rumar para Tramagal, capital da província que fazia fronteira com Jalisco, para prosseguir os seus estudos, longe de este mundo hostil, que representava Santa Inês e seus arredores para esta época, foi com um dos seus tios, irmão da sua mãe, o tio Eugénio, que ia procurar melhor sorte com as minas de carvão.  Para esta altura Antônio tinha só oito anos, a partir de aqui nunca mais conviveu com o seu único irmão, pelo menos de forma permanente, ainda hoje Leandro mora em Tramagal, donde trabalha ao lado do seu tio explorando minas de carvão,  as suas relações com o seu pai não são das melhores, abandonou os seus estudos antes de entrar na universidade, e não quis voltar para trabalhar com o seu pai que lhe havia dado tudo, havia-se casado também com uma mulher  que não deixava de ter algumas histórias pouco chamativas para uma família tradicionalista e de um fervor católico muito forte, como era a família Lancastre.

       Para esta época, Antônio era só um miúdo mais preocupado com os berlindes, e as peladinhas que fazia com os seus colegas num campo de terra muito amplo e com umas balizas improvisadas com paus.  Passava muitas horas Antônio nestas lides, mais distinguia-se dos seus colegas, falava pouco, era comedido nas suas emoções e pensava mais do que actuava, era um pensador, e que não vacilava, as vezes em negarse a ir brincar com um colega, para dispor-se a ouvir uma conversa de gente adulta, muitas vezes, referindo-se ao negócio da produção do algodão.
 

     Passava igualmente muito tempo com o seu avô, o Sr. Reynaldo, quem lhe contava muitas historietas, das suas andanças quando miúdo, do seu trabalho, da história de Santa Inês; tudo ao qual o pequeno Antônio assistia impávido, muito concentrado e com um entusiasmo muito marcado, eram sessões muito compridas as vezes, só interrompidas pela voz da mãe de Antônio, Dona Sofia; que queixava-se muito frequentemente ao sogro, - deixe o miúdo Sr. Reinaldo, deixe-o ir brincar com os colegas, faz-lhe mal tanta conversa, ou então - Antônio vamos comer, ou Antônio vamos para a cama, já é tarde.

      Mas assim era o caracter de Antônio, gostava muito de aprender com os mais velhos, gostava dos assuntos de adultos, ainda que também gosta-se de brincar e divertir-se com os da sua idade.

         Mas agora, quinze anos volvidos, chegou a Antônio o momento de esquecer tudo isto e voltar-se para uma nova vida, a semelhança do que fez o seu irmão e que caiu tão mal aos olhos do seu pai, agora era a sua vez, como poderia ele defraudar, a pessoa que mais confiava nele?, que tinha depositado, tanta confiança nele; era este o pensamento que inundava a mente de Antônio ao chegar a estação de Malacas, donde deveria estar o seu próprio pai, para dar-lhe um grande abraço pelo seu excelente trabalho.

       Ao sair do comboio, ouve logo a voz do seu pai: - Antônio aqui, ao qual se segue um forte abraço, ao qual Antônio quase que nem correspondeu, tal era o temor que o embargava naquele momento, já a euforia do grande negócio conseguido, tinha ficado para trás, agora era este sentimento de melancolia, de medo, de angustia, porque o último que este jovem rapaz queria fazer neste momento era magoar o seu pai, o qual era mais que inevitável com a nova noticia que lhe trazia.

      Durante o curto caminho para o carro, falou-se da actuação de Antônio no negócio e os términos em que tinha sido estabelecido o contrato, era só uma explicação mais detalhada, do que já lhe tinha adiantado por telefone no dia anterior, quando ainda estava em Santiago.

       Mas o pior estava para vir, Antônio esperou até chegar a casa, comprimentar os familiares, todos os quais lhe felicitaram com muito entusiasmo, ao qual ele respondeu no seu estilo comum, sereno, com muita descrição, mas agora com uma angustia, pouco usual nele, mais que as circunstâncias tão próprias do caso assim o determinavam.
 
       E chegou o momento da verdade, - tenho que falar contigo sobre um assunto, podemos ir a biblioteca,- claro que sim, hoje faço tudo o que tu queiras, viva o meu filho!, estas atitudes do seu pai complicavam ainda mais a tarefa de Antônio, cada vez se sentia pior, mais ao encontrarem-se sozinhos, Antônio, encheu os pulmões de ar, e passou a dizer:

     - Pai, sei que não vais gostar do que eu te vou dizer, mas acho que deves compreender a minha posição, sou um homem, tenho 23 anos, sempre estive baixo as tuas ordens, sempre cumpri a regra o que me mandavas, e eu quero-te muito, devo-te tudo, tu fizeste o que sou, por isso quero que saibas, que custou-me muito apesar da minha ambição e dos meus sonhos tomar esta decisão, mas pai acho que chegou o momento de começar a separarmo-nos, eu agora sinto-me como uma ave que já tem idade para voar e que sente necessidade de isso, de voar, de ser livre, de percorrer caminhos, de procurar aventuras e de cumprir, ou pelo menos tentar cumprir os meus sonhos; ao qual interrompeu o Sr. Carlos Lancastre, que até então tinha permanecido imóvel, impávido, ao discurso bastante dramático do seu filho, mas que agora, já começava a sentir o medo, sobre o que lhe iria dizer o seu filho, - filho que queres dizer-me, dizmo já, sem rodeios, estou a começar a ficar angustiado; -  pai o que eu quero dizer-te e que vou trabalhar para a Distribuidora Mendoza a partir da semana que vêm; dito isto Carlos Lancastre, que estava de costas a espera do pior, se voltou rapidamente, e lhe propinou um golpe na face a Antônio que lhe fez recuar alguns metros até parar ao bater contra a parede,  - mas que coisa estás tu a dizer Antônio, como é possível, sais por dois dias de aqui e já me queres abandonar, que classe de filho es tu, e os nossos projectos quê, já te esqueceste, que te fizeram meu filho, que te fizeram, enquanto dizia isto as lágrimas começavam a cair na sua face, Antônio que nunca tinha visto o seu pai assim e ainda um bocado desconcertado com o golpe do seu pai, era a primeira vez em muitos anos que era objecto de violência por parte de ele, sentia-se um miserável, pois, só um miserável fazia isto a um pai, Antônio ainda tentou balbuciar os términos do seu trabalho que seria em pat-time, mas o seu pai, não quis ouvi-lo, saiu da sala, foi buscar um cavalo e lançou-se pelo mato em busca de distração, fazia isto comunmente quando se sentia chateado,  Antônio sentou-se no chão, o olho começava a ficar inchado, e os mais diversos pensamentos cruzavam a sua mente, e os sentimentos  mais angustiantes passavam pelo seu coração,  valeria a pena passar por este momento?, não estaria Antônio a ser um tanto masoquista e sonhador de mais?, só os próximos acontecimentos, aclarariam estas e outras interrogantes...
 
 

CAPÍTULO V

O virar de uma página.

 

          Estavam já passadas as 8 horas, quando Carlos, o pai de Antônio, chegou a casa, estavam todos preocupados por ele, não era costume neste homem muito conservador e muito pontual chegar atrasado ao jantar; no grupo dos que presenciaram a sua chegada estava Antônio com o semblante carregado, muito triste, a sua consciência segundo ele não estava limpa, a pesar de que sentia que eram legítimas as suas aspirações, e que ninguém podia tentar fechar-lhe as portas, que ele com o seu próprio trabalho e dedicação tinha conseguido.

         Continuava, portanto o grande fluir de idéias contadictorias na mente de Antônio, quando chegou o pai,  olhou para ele, sem pestanejar e tratando-o de maneira indiferente convidou os presentes  a jantar, depois de exprimir algumas frases como: - o que está acontecendo aqui, morreu alguém, deixem já de olhar-me com esse ar de espantados; disse isto dirigindo-se as muitas pessoas que olhavam para ele como que esperando pela reação de este senhor, não muito habituado a desavenças com os seus familiares e muito menos o seu filho mais querido, era uma situação quase que se poderia dizer única no seio desta casa, sempre cheia de alegria, de boas costumes e donde respeitava a paz familiar.

     Era um dia negro, para os Lancastre, enfrentávanse por primeira vez pai e filho menor, numa disputa que muito dificilmente chegaria a bom termo, tal era a convicção de Antônio em tornar realidade os seus sonhos e tal era a determinação em não aceitar a nova situação por parte do pai.

     Essa noite jantou-se, conversou-se sobre várias coisas, mas nada sobre o ocorrido, tudo se desenvolveu de uma maneira muito fria e distante, e o Sr. Carlos e Antônio, nem sequer se dirigiram a palavra, resultaram em vão as tentativas de Antônio em procurar o olhar do seu pai como que buscando um pouco de clemência e compreensão.

      Isso era em grande parte o que sentia Antônio, uma grande incompreensão, sentimento que ficou ainda mais vincado, depois de falar com a sua mãe, a qual não o reprimiu mais tentou fazer-lhe ver o desgosto que lhe tinha causado ao seu pai.  O relacionamento de Antônio com a sua mãe, Dona Sófia, sempre foi muito bom, ela era uma de aquelas mães muito carinhosas, muito afectuosas, mas também algo liberal e permitia que Antônio, desenvolvesse as suas inquietudes e pudesse explorar desde muito pequeno a rua e as suas mais diversas situações.

 
         Na manhã seguinte, Antônio dispôs-se a falar com o pai, com respeito a assuntos referidos a productora, mas levou com uma resposta que de certeza não estava nos seus planos, - não te preocupes filho, eu já não preciso de ti, porque eu desde ontem por tua vontade deixei de contar contigo, por tanto podes ir a tua vida, vai realizar os teus sonhos, mas têm cuidado filho, não atinjas uma nuvem muito alta, que possa rebentar e que te propine uma caída tão grande, que não possas voltar a levantar-te jamais; ao qual retorquiu Antônio, - pai, eu só vou trabalhar part-time em Santiago, posso continuar a trabalhar contigo, - não Antônio, tu não podes escolher dos caminhos ao mesmo tempo, só podes escolher um, se não nunca vais atingir nada na vida, não podes dividir, pelo contrário tens que unir todas as tuas forças numa só batalha, quando acabes isso sim podes dispor-te a travar outra.

-  Pai, eu não o mereço, - não digas isso meu filho, ontem magoaste-me muito, confesso que nunca esperaria isso de ti, mas hoje vejo o problema de outro modo, a pesar de que não te consiga entender completamente, respeito a tua decisão, e só espero que Nossa Senhora te acompanhe e possas triunfar neste tua aventura.

-  Dito isto, Antônio, cujo rosto, estava completamente estampado de lágrimas, dirijo-se ao seu pai e abraçaram-se efusivamente pai e filho, demonstrando que o amor entre um pai e um filho é mais poderoso que qualquer desavença de opiniões e objectivos na vida.

       Nos dias seguintes, Antônio preocupou-se em entregar tudo o que estava baixo o seu domínio na produtora Lancastre, e elucidou o pai de alguns assuntos que até então estavam a ser tratados por ele.

       Foi assim como chegou o momento de partir:     Era uma fresca manhã de um dia Sábado, o vento soprava com alguma força, fazendo com que as folhas caídas das arvores fizessem remoinhos, também as ramas dos arvores desplazavam-se de um lado ao outro, no meio de tudo isto ouvia-se como de costume o cantar dos galos, enquanto os peões, alheios a este ambiente, já se repartiam as mais diversas actividades.

      Parecia, que o ambiente estava a condizer, com o estado de animo dos Lancastre, era o momento de uma despedida, uma despedida muito sentida, porque seria a primeira vez que Antônio se apartasse do seu lar donde tinha convivido durante 23 anos sem interrupções, podiam-se contar com os dedos das mãos, os dias que Antônio, tinha dormido fora da sua cama, no seu quarto grande e espaçoso, como ele gostava, e detentor de uma portentosa vista, podendo admirar as vastas planícies que rodeavam a casa e podendo admirar um dos amanheceres mais lindo de Chile.  Muitas vezes, ficava ele impávido e sereno a olhar e a desfrutar da natureza, sim ainda que pareça desalinhado com seu caracter frio e calculista, ele era um grande admirador das coisas mais lindas que a natureza pode oferecer-nos.

      Despediu-se de todos os trabalhadores que o apreciavam muito, que o tinham visto nascer e que ainda hoje alguns o chamavam de “tonito”, logo despediu-se dos seus familiares, até chegar a o momento mais delicado quando se despediu do seu pai e finalmente da sua mãe, foi de verás um momento comovedor os que patrocinaram Dona Sófia e Antônio.  Mas, assim o determinava o destino, tinha chegado o momento da separação, já Antônio não era aquele miúdo a quem todos chamavam “tonito”, era um homem em búsqueda de fazer realidade os seus sonhos.

      De pronto, Antônio encontrava-se de novo no comboio que o levaria a Santiago,  mas desta vez o que sentia era muito diferente do que sentiu na vez passada.  Agora, estava um pouco confuso, mas ao mesmo tempo fascinado porque voltaria a aquela cidade donde alcançou um dos seus maiores êxitos da sua vida e porque poderia voltar a ver uma rapariga que o tinha fascinado, Maria del Solar, ainda que ele ainda não o admitisse começava a sentir uma admiração muito profunda por aquela mulher que só não copou totalmente a sua mente até agora, porque tinha de facto experimentado momentos muito difíceis no seio da sua família.
     Antônio, sentia ademais, um nervosismo miudinho, porque sabia que não podia falhar, era um pouco orgulhoso, e não admitiria chegar a ter que voltar fracassado, a pedir emprego ao pai.  Por tanto Antônio, teria que ser muito duro, e trabalhar com muitas cautelas e afinco, com vistas a que a sua vida de negociante continuasse pela via dos êxitos.

      Entretanto no outro lado, em Santiago,  estaria sem dúvida, o Sr. Mendoza, impaciente pela chegada de quem ele achava se tornaria o seu braço direito, depois de tantas tentativas falhadas, de muitos despedimentos por incompetência, pensava ele que tinha encontrado o homem ideal, para desempenhar o cargo, mas mal esperaria que o homem viria para trabalhar a tempo inteiro, ao contrário do que lhe tinha exigido, antes de fechar o acordo.

         Igualmente está, Maria, a qual não tem deixado de pensar naquele homem tão singular que até a convidou a almoçar e que tão boa impressão lhe tinha deixado, pensava entusiasmada na oportunidade que se lhe presentava agora, de o poder continuar a ver, de o conhecer melhor e quem sabe mais, o que poderia seguir...
 
          Antônio chegou já de madrugada a Santiago, cansado da viagem e do stress com o qual tinha convivido nos últimos dias, chegou a cama do hotel, e sem reportar a sua chegada a ninguém adormeceu muito rapidamente.

        No outro dia,  Antônio acordou, já a cidade estava acordada a muito tempo, o movimento e o barulho das grandes urbes já se fazia presente e eram o objectivo do olhar de Antônio, o qual admirou grande parte da cidade que se avistava do último andar do hotel donde ele se encontrava hospedado; era uma sensação quase que excitante, para um homem acostumado a tranquilidade do campo, mas que se deliciava com este “trafego” todo, ela adorava este mundo, que esperava que lhe desse muitas alegrias,  e é assim como ele de pronto olhando para a cidade, avistou uma editora que tenha como seu logotipo um grande livro aberto, ao qual afirma quase que em simultâneo: - É isso mesmo acabo de virar uma página na minha vida...
 
 

CAPÍTULO VI

O começo de uma nova vida.


     - Eram 9:30 am, Antônio estava a tomar o pequeno almoço no hotel; ninguém em Santiago sabia que ele tinha chegado, nem Pedro Lancastre, nem Maria; iria chegar de surpresa.  Era melhor assim, ficava isento de cumprir um horário e só chegaria a Distribuidora Mendoza, quando se sentisse totalmente apto psicologicamente, já mais aliviado da excessiva carga emocional vivida nos últimos dias.  Enquanto comia, muitos pensamentos iam cruzando a sua mente e rapidamente decidiu, que não se apresentaria no seu novo emprego até a tarde, ocuparia o resto da manhã a deambular pela cidade.  Sentia a necessidade de familiarizar-se o mais rapidamente possível com o seu novo lar e ainda a curiosidade lhe estava roendo por dentro.

     Foi assim no passeio que teve nesta manhã que conheceu o Parque Nacional do Paraíso, só deu uma espreitadela rápida (havia muitas coisas mais para ver, naquela cidade), mais ficou com a impressão logo, de que seria um óptimo lugar para descansar o cérebro e reflectir sobre o que lhe iria sucedendo nesta nova fase da sua vida; mas não imaginava que seria este um dos lugares mais frequentados por ele e muito menos, que na maioria das vezes, para namorar com a Maria.

     Entretanto em Santa Inés, vivia-se ainda um momento perturbado de frustração e de dor pela ida do jovem que se esperava vir a controlar, em tempos não muito distantes, as empresas de algodão da família.  Vivia-se uma aparente calma no exterior, mas um completo desordem no coração de aqueles que ainda na se faziam a idéia de ter que deixar de ver diariamente este rapaz que já tinha ganho o coração não só da sua família como era de esperar quase obrigatoriamente, mas assim como o dos empregados da fazenda que o respeitavam e admiravam muito.

    E por isto tudo era que nestes dias, nas ruas de Santa Inês o ambiente que se respirava era de esta maneira:

     Deixa-se ouvir o silencio, um silencio sepulcral.  Tudo está muito calmo, muito sossegado.  Só um vento frio sopra com alguma força e vai arrastando algumas folhas caídas das árvores enquanto consegue fazer um minúsculo ruído que contrasta com a inquietante quietude do lugar.

      A rua vê-se imensa, infinita para tanto vazio, para tanta solidão, para tanta tranquilidade.

     Apetece dizer que está presente neste lugar a “paz da tranquilidade e a desordem da solidão”.  E está frio, muito frio, e está escuro, muito escuro, todas as luzes estão apagadas, só a lua completamente redonda e as inúmeras estrelas do céu vão dando um pouco de claridade à noite escura.

     Pelo ar, nenhum aroma se consegue perceber, só o aroma a vazio.

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