[ Cartas aos meus Amigos ]

[ Qualquer sugestão é bem vinda ]

  Primeira carta aos meus amigos
  1. A situação actual.
  2. A alternativa de um mundo melhor.
  3. A evolução social.
  4. As futuras experiências.
  5. A mudança e as relações com as pessoas.
  6. Um conto para aspirantes a executivos.
  7. A mudança humana.

Estimados amigos:

Desde há bastante tempo recebo correspondência de diferentes países pedindo explicação ou ampliações sobre temas que aparecem nos meus livros. Em geral, o que se reclama é clarificação sobre assuntos tão concretos como a violência, a política, a economia, a ecologia, as relações sociais e as inter-pessoais. Como se vê as preocupações são muitas e diversas e é claro que nesses campos terão que ser os especialistas a dar resposta. É evidente que esse não é o meu caso.

Até onde seja possível, tratarei de não repetir o já escrito noutros lugares e oxalá possa esboçar em poucas linhas a situação geral em que nos cabe viver e as tendências mais imediatas que se perfilam. Noutras épocas, ter-se-ia tomado como fio condutor deste tipo de descrição uma certa ideia do "mau estar da cultura", mas hoje, diversamente, falaremos da veloz mudança que se está a produzir nas economias, nos costumes, nas ideologias e nas crenças, tratando de rastrear uma certa desorientação que parece asfixiar os indivíduos e os povos.

Antes de entrar no tema, gostaria de fazer duas advertências: uma referida ao mundo que já era e que parece ser considerado neste escrito com uma certa nostalgia, e outra que aponta ao modo de expôr, no qual se poderia ver uma total ausência de matizes, levando as coisas a um primitivismo de questionamento que não é o modo como, na realidade, formulam aqueles que nós criticamos. Direi que quem como nós crê na evolução humana não está deprimido pelas mudanças, antes deseja, na verdade, um incremento na aceleração dos acontecimentos, enquanto trata de adaptar-se crescentemente aos novos tempos. Quanto ao modo de expressar a argumentação dos defensores da "nova ordem", posso comentar o seguinte: ao falar deles não deixaram de ressoar em mim os acordes daquelas diametrais ficções literárias, "1984" de Orwell e "O Admirável Mundo Novo" de Huxley. Esses magníficos escritores vaticinaram um mundo futuro no qual por meios violentos ou persuasivos, o ser humano acabava submergido e robotizado. Creio que ambos atribuíram demasiada inteligência aos "maus" e demasiada estupidez aos "bons" dos seus romances, movidos talvez por um pessimismo de fundo que não cabe interpretar agora. Os "maus" de hoje são pessoas com muitos problemas e uma grande avidez, mas, em todo o caso, incompetentes para orientar processos históricos que claramente escapam à sua vontade e capacidade de planificação. Em geral, trata-se de gente pouco estudiosa e de técnicos ao seu serviço que dispõem de recursos parcelados e pateticamente insuficientes. Assim, pedirei que não tomem muito a sério alguns parágrafos, que são, na realidade, como um divertimento, quando pomos algumas palavras nas suas bocas que não dizem, mesmo que as suas intenções vão nessa direcção. Creio que há que considerar estas coisas excluindo toda a solenidade (afim à época que morre) e, ao invés, questioná-las com o bom humor e o espírito de brincadeira que campeia nas cartas intercambiadas pelas pessoas verdadeiramente amigas.

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1. A situação actual

Desde o começo da sua História a humanidade evolui trabalhando para conseguir uma vida melhor. Apesar dos avanços, hoje utiliza-se o poder e a força económica e tecnológica para assassinar, empobrecer e oprimir diversas regiões do mundo, destruindo, além do mais, o futuro das novas gerações e o equilíbrio geral da vida no planeta. Uma pequena percentagem da humanidade possui grandes riquezas, enquanto as maiorias padecem de sérias necessidades. Nalguns lugares, há trabalho e remuneração suficiente, mas noutros a situação é desastrosa. Em todas os lados, os sectores mais humildes sofrem horrores para não morrer de fome. Hoje, minimamente, e pelo simples facto de ter nascido num meio social, todo o ser humano requer adequada alimentação, saúde, habitação, educação, vestuário, serviços... e chegando a certa idade necessita assegurar o seu futuro pelo tempo de vida que lhe reste. Com todo o direito as pessoas querem isso para elas e para os seus filhos, ambicionando que estes possam viver melhor. No entanto, hoje essas aspirações de milhares de milhões de pessoas não são satisfeitas.

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2. A alternativa de um mundo melhor

Tratando de moderar os problemas comentados fizeram-se diferentes experiências económicas com resultados díspares. Actualmente, tende-se a aplicar um sistema em que supostas leis de mercado regularão automaticamente o progresso social, superando o desastre produzido pelas anteriores economias dirigistas. Segundo este esquema, as guerras, a violência, a opressão, a desigualdade, a pobreza e a ignorância, irão retrocedendo sem se produzirem sobressaltos de maior. Os países integrar-se-ão em mercados regionais até se chegar a uma sociedade mundial, sem nenhum tipo de barreiras. E assim como os sectores mais pobres dos pontos desenvolvidos irão elevando o seu nível de vida, as regiões menos avançadas receberão a influência do progresso. As maiorias adaptar-se-ão ao novo esquema que técnicos capacitados, ou homens de negócios, estarão em condições de pôr a funcionar. Se algo falha, não será pelas naturais leis económicas, mas sim por deficiências desses especialistas que, como sucede numa empresa, terão de ser substituídos todas as vezes que seja necessário. Por outro lado, nessa sociedade "livre", será o público que decidirá democraticamente entre diferentes opções de um mesmo sistema.

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3. A evolução social

Dada a situação actual e a alternativa que se apresenta para a consecução de um mundo melhor, cabe reflectir brevemente em torno dessa possibilidade. Com efeito, realizaram-se numerosas provas económicas que trouxeram resultados díspares e, face a isso, diz-se-nos que a nova experiência é a única solução para os problemas fundamentais. No entanto, não chegamos a compreender alguns aspectos dessa proposta. Em primeiro lugar, aparece o tema das leis económicas. Ao que parece, existiriam certos mecanismos, como na natureza, que ao jogar livremente regulariam a evolução social. Temos dificuldades em aceitar que qualquer processo humano e, desde logo o processo económico, seja da mesma ordem que os fenómenos naturais. Cremos, ao invés, que as actividades humanas são não-naturais, são intencionais, sociais e históricas; fenómenos estes que não existem nem na natureza em geral nem nas espécies animais. Tratando-se, pois, de intenções e de interesses, também não temos razão para supôr que os sectores que detêm o bem-estar, estejam preocupados com a superação das dificuldades de outros menos favorecidos. Em segundo lugar, a explicação que se nos dá relativamente a que sempre houve grandes diferenças económicas entre uns poucos e as maiorias e que, não obstante isto, as sociedades progrediram, parece-nos insuficiente. A História mostra-nos que os povos avançaram, reclamando os seus direitos frente aos poderes estabelecidos. O progresso social não se produziu porque a riqueza acumulada por um sector tenha depois transbordado automaticamente "para baixo". Em terceiro lugar, apresentar como modelo determinados países que, operando com essa suposta economia livre, hoje têm um bom nível de vida, parece um excesso. Esses países realizaram guerras de expansão sobre outros, impuseram o colonialismo, o neo-colonialismo e a partição de nações e regiões; arrecadaram com base na discriminação e a violência e, finalmente, absorveram mão-de-obra barata, ao mesmo tempo que impuseram termos de intercâmbio desfavoráveis para as economias mais débeis. Poderá argumentar-se que aqueles eram os procedimentos que se entendiam como "bons negócios". Mas se se afirma isso, não se poderá sustentar que o desenvolvimento comentado seja independente de um tipo especial de relação com outros povos. Em quarto lugar, fala-se-nos do avanço científico e técnico e da iniciativa que se desenvolve numa economia "livre". Quanto ao avanço científico e técnico, é de saber que este opera desde que o homem inventou a moca, a alavanca, o fogo e assim seguindo, numa acumulação histórica que não parece ter-se ocupado muito das leis de mercado. Se, ao invés, se quer dizer que as economias abundantes sugam talentos, pagam equipamento e investigação e que, por último, são motivadoras porque dão uma melhor remuneração, diremos que isto é assim desde épocas milenares e que tão-pouco se deve a um tipo especial de economia, mas sim, simplesmente, a que nesse lugar existem recursos suficientes independentemente da origem de tal potencialidade económica. Em quinto lugar, falta o expediente de explicar o progresso dessas comunidades pelo intangível "dom" natural de especiais talentos, virtudes cívicas, laboriosidade, organização e coisas semelhantes. Este já não é um argumento, mas sim uma declaração devocional em que se escamoteia a realidade social e histórica que explica como se formaram esses povos.

Desde logo, temos muito desconhecimento para compreender como é que com semelhantes antecedentes históricos se poderá sustentar este esquema no futuro imediato, mas isso faz parte de outra discussão: a discussão em torno de se existe realmente tal economia livre de mercado ou se se trata antes de proteccionismos e dirigismos encobertos que, de repente, abrem determinadas válvulas, ali onde se sentem a dominar uma situação, e fecham outras em caso contrário. Se isto é assim, tudo o que se acrescente como uma promessa de avanço ficará somente reservado à explosão e difusão da ciência e da tecnologia, independentemente do suposto automatismo das leis económicas.

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4. As futuras experiências

Como aconteceu até hoje, quando seja necessário, substituir-se-á o esquema vigente por outro que "corrija" os defeitos do modelo anterior. Desse modo e passo a passo, continuará a concentrar-se a riqueza nas mãos de uma minoria cada vez mais poderosa. É claro que a evolução não se deterá, nem tão-pouco as legítimas aspirações dos povos. Assim sendo, em pouco tempo serão varridas as últimas ingenuidades que asseguram o fim das ideologias, as confrontações, as guerras, as crises económicas e as desordens sociais. Desde logo, tanto as soluções como os conflitos se mundializarão, porque já não restarão pontos desconectados entre si. Também há algo certo: nem os esquemas de dominação actual poderão sustentar-se nem tão-pouco as fórmulas de luta que tiveram vigência até ao momento actual.

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5. A mudança e as relações entre as pessoas

Tanto a regionalização dos mercados como a reivindicação localista e das etnias apontam à desintegração do Estado nacional. A explosão demográfica nas regiões pobres leva a migração ao limite do controlo. A grande família camponesa desagrega-se, deslocando a geração jovem para a aglomeração urbana. A familia urbana industrial e pós-industrial reduz-se ao mínimo, enquanto as macro-cidades absorvem contigentes humanos formados noutras paisagens culturais. As crises económicas e as reconversões dos modelos produtivos fazem com que a discriminação irrompa novamente. Entretanto, a aceleração tecnológica e a produção massiva deixam obsoletos os produtos no instante de entrar no circuito de consumo. A substituição de objectos corresponde-se com a instabilidade e a desregulação na relação humana. A antiga solidariedade, herdeira do que em algum momento se chamou "fraternidade", acabou por perder significado. Os companheiros de trabalho, de estudo e de desporto, e as amizades de outras épocas, tomam o carácter de competidores; os membros do casal lutam pelo domínio, calculando, desde o começo dessa relação, como será a quota de benefício mantendo-se unidos, ou como será essa quota se se separarem. Nunca antes o mundo esteve tão comunicado, porém os indivíduos padecem cada dia mais de uma angustiosa incomunicação. Nunca os centros urbanos estiveram mais povoados, contudo as pessoas falam de "solidão". Nunca as pessoas necessitaram mais do que agora do calor humano, no entanto qualquer aproximação converte em suspeita a amabilidade e a ajuda. Assim deixaram a nossa pobre gente: fazendo crer a todo o infeliz que tem algo importante a perder e que esse "algo" etéreo é cobiçado pelo resto da humanidade! Nessas condições, pode-se-lhe contar este conto como se se tratasse da mais autêntica realidade...

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6. Um conto para aspirantes a executivos

"A sociedade que se está a pôr em marcha trará finalmente a abundância. Mas, à parte os grandes benefícios objectivos, ocorrerá uma libertação subjectiva da humanidade. A antiga solidariedade, própria da pobreza, não será necessária. Já muitos concordam que com dinheiro, ou algo equivalente, se solucionarão quase todos os problemas; por conseguinte, os esforços, pensamentos e sonhos, estarão lançados nessa direcção. Com o dinheiro comprar-se-á boa comida, boa habitação, viagens, diversões, brinquedos tecnológicos e pessoas que façam o que se quiser. Haverá um amor eficiente, uma arte eficiente e uns psicólogos eficientes que repararão os problemas pessoais que pudessem restar, os quais, mais adiante, a nova química cerebral e a engenharia genética acabarão por resolver.

Nessa sociedade de abundância, diminuirá o suicídio, o alcoolismo, a toxicodependência, a insegurança citadina e a delinquência, como hoje já mostram os países economicamente mais desenvolvidos (?). Também desaparecerá a discriminação e aumentará a comunicação entre as pessoas. Ninguém estará pungido por pensar desnecessariamente no sentido da vida, na solidão, na doença, na velhice e na morte, porque com adequados cursos e alguma ajuda terapêutica conseguir-se-á bloquear esses reflexos que tanto detiveram o rendimento e a eficiência das sociedades. Todos confiarão em todos porque a concorrência no trabalho, nos estudos e no casal, acabará por estabelecer relações maduras.

Finalmente, as ideologias terão desaparecido e já não se utilizarão para lavar o cérebro das pessoas. Certamente que ninguém impedirá o protesto ou inconformidade com temas menores, sempre que para se expressarem paguem aos canais adequados. Sem confundir a liberdade com a libertinagem, os cidadãos reunir-se-ão em números pequenos (por razões sanitárias) e poderão expressar-se em lugares abertos (sem perturbar com sons contaminantes ou com publicidade que deslustre o "município", ou como se chame mais adiante).

Mas o mais extraordinário ocorrerá quando já não se requeira controlo policial, pois cada cidadão será alguém decidido que cuidará os outros das mentiras que algum terrorista ideológico pudesse tratar de inculcar. Esses defensores terão tanta responsabilidade que acudirão pressurosos aos meios de comunicação, nos quais encontrarão imediato acolhimento para alertar a população; escreverão estudos brilhantes que serão publicados imediatamente e organizarão fóruns, nos quais formadores de opinião de grande cultura esclarecerão algum desprevenido que poderia ainda estar à mercê das forças obscuras do dirigismo económico, do autoritarismo, da antidemocracia e do fanatismo religioso. Nem sequer será necessário perseguir os perturbadores, porque num sistema de difusão tão eficiente ninguém quererá aproximar-se deles para não se contaminar. No pior dos casos, "desprogramar-se-ão" com eficácia e eles agradecerão publicamente a sua reinserção e o benefício que lhes produzirá reconhecer as bondades da liberdade. Por seu lado, aqueles esforçados defensores, se é que não estão enviados especificamente para cumprir essa importante missão, serão gente comum que poderá sair assim do anonimato, ser reconhecida socialmente pela sua qualidade moral, assinar autógrafos e, como é lógico, receber uma merecida retribuição.

A Empresa será a grande família que favorecerá a qualificação, as relações e o lazer. A robótica terá suplantado o esforço físico de outras épocas e trabalhar para a Empresa na própria casa será uma verdadeira realização pessoal.

Assim, a sociedade não necessitará de organizações que não estejam incluidas na Empresa. O ser humano, que tanto lutou pelo seu bem-estar, terá finalmente chegado aos céus. Saltando de planeta em planeta terá descoberto a felicidade. Instalado aí, será um jovem competitivo, sedutor, aquisitivo, tiunfador, e pragmático (sobretudo pragmático)... executivo da Empresa!"

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7. A Mudança Humana

O mundo está a variar a grande velocidade e muitas coisas que até há pouco eram cridas cegamente já não se podem sustentar. A aceleração está a gerar instabilidade e desorientação em todas as sociedades, sejam estas pobres ou opulentas. Nesta mudança de situação, tanto as lideranças tradicionais e seus "formadores de opinião" como os antigos lutadores políticos e sociais deixam de ser referência para as pessoas. No entanto, está a nascer uma sensibilidade que se corresponde com os novos tempos. É uma sensibilidade que capta o mundo como uma globalidade e que se dá conta de que as dificuldades das pessoas em qualquer lugar acabam por implicar outras, ainda que se encontrem a muita distância. As comunicações, o intercâmbio de bens e a veloz deslocação de grandes contingentes humanos de um ponto para outro, mostram esse processo de mundialização crescente. Também estão a surgir novos critérios de acção ao compreender-se a globalidade de muitos problemas, percebendo-se que a tarefa daqueles que querem um mundo melhor será efectiva se se a faz crescer a partir do meio em que se tem alguma influência. Ao contrário de outras épocas, cheias de frases ocas com as quais se procurava reconhecimento externo, hoje começa-se a valorizar o trabalho humilde e sentido, mediante o qual não se pretende engrandecer a própria figura, mas sim mudar-se a si mesmo e ajudar o meio imediato familiar, laboral e de relação a fazê-lo. Os que gostam realmente das pessoas não desprezam essa tarefa sem estridências, incompreensível, ao invés, para qualquer oportunista formado na antiga paisagem dos líderes e da massa, paisagem na qual ele aprendeu a usar outros para ser catapultado para a cúpula social. Quando alguém comprova que o individualismo esquizofrénico já não tem saída e comunica abertamente a todos os seus conhecidos o que é que pensa e o que é que faz, sem o ridículo temor de não ser compreendido; quando se aproxima de outros; quando se interessa por cada um e não por uma massa anónima; quando promove o intercâmbio de ideias e a realização de trabalhos em conjunto; quando claramente expõe a necessidade de multiplicar essa tarefa de reconexão num tecido social destruido por outros; quando sente que mesmo a pessoa mais "insignificante" é de superior qualidade humana que qualquer desalmado posto no cume da conjuntura epocal... Quando sucede tudo isto, é porque no interior desse alguém começa a falar novamente o Destino que tem movido os povos na sua melhor direcção evolutiva; esse Destino tantas vezes desviado e tantas vezes esquecido, mas sempre reencontrado nas encruzilhadas da história. Não só se vislumbra uma nova sensibilidade, um novo modo de acção, como também, além disso, uma nova atitude moral e uma nova disposição táctica perante a vida. Se me fizessem precisar o enunciado acima, diria que as pessoas, ainda que isto se tenha repetido desde há três milénios atrás, hoje experimentam como uma novidade a necessidade e a verdade moral de tratar os outros como cada um quer ser tratado. Acrescentaria que, quase como leis gerais de comportamento, hoje se aspira a:

  1. uma certa proporção, tratando de ordenar as coisas importantes da vida, levando-as em conjunto e evitando que algumas se adiantem e outras se atrasem excessivamente;
  2. uma certa adaptação crescente, actuando a favor da evolução (não simplesmente da curta conjuntura) e não cooperando com as diferentes formas de involução humana;
  3. uma certa oportunidade, retrocedendo diante de uma grande força (não perante qualquer inconveniente) e avançando na sua declinação;
  4. uma certa coerência, acumulando acções que dão a sensação de unidade e acordo consigo mesmo, e pondo de lado aquelas que produzem contradição e que se registam como desacordo entre o que se pensa, sente e faz.

Não creio que seja preciso explicar por que digo que se está "a sentir a necessidade e a verdade moral de tratar os outros como cada um quer ser tratado", face à objecção que levanta o facto de que assim não se actua nestes momentos. Também não creio que me deva alongar em explicações acerca do que entendo por "evolução" ou por "adaptação crescente" e não simplesmente por adaptação de permanência. Quanto aos parâmetros do retroceder ou avançar diante de grandes ou declinantes forças, sem dúvida que haveria que contar com indicadores ajustados que não mencionei. Por último, isto de acumular acções unitivas perante as situações contraditórias imediatas que nos cabe viver ou, em sentido oposto pôr de lado a contradição, a olhos vistos aparece como uma dificuldade. Isso é certo, mas se revemos o comentado mais acima, ver-se-á que mencionei todas estas coisas dentro do contexto de um tipo de comportamento ao qual hoje se começa a aspirar, bastante diferente do que se pretendia noutras épocas.

Tratei de anotar algumas características especiais que se estão a apresentar, correspondentes a uma nova sensibilidade, uma nova forma de acção interpessoal e um novo tipo de comportamento pessoal que, parece-me, ultrapassaram a simples crítica de situação. Sabemos que a crítica é sempre necessária, mas quanto mais necessário é fazer algo diferente daquilo que criticamos!

Recebam com esta carta os meus melhores cumprimentos.

Silo.
21/02/91


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