organizações
como
sistemas políticos
José Carlos Bregieiro Ribeiro
Departamento de Engenharia Informática
Universidade de Coimbra, Portugal
jribeiro@student.dei.uc.pt
(documento em formato Microsoft
Word | apresentação em
Microsoft Powerpoint)
resumo
Neste documento é utilizada a “metáfora da
Política” para explorar as organizações sob dois prismas: como sistemas de governo – traçando
paralelos entre sistemas organizacionais e políticos – e como sistemas de actividade política –
abordando os diferentes tipos de interesses, conflitos e jogos de poder que
moldam as actividades organizacionais.
A principal fonte de investigação foi o livro
“Images Of Organization” de Gareth Morgan (ver [1] em Referências
Bibliográficas), em especial o capítulo sexto: “Interests,
Conflicts, and Power: Organizations as Political Systems”. Optou-se por
desenvolver os dois primeiros temas nele incluídos – precisamente os referidos
no parágrafo anterior – em detrimento do terceiro tema, que diz respeito à
administração das organizações pluralistas. Na secção “Explorar o Poder”, foi também retirado alguma ênfase ao desenvolvimento das
fontes de poder no seio das organizações.
Palavras-chave
Política; organização; metáfora; governo;
interesses; conflitos; poder.
Introdução
No seu significado original, a ideia de
“Política” advém da visão de que onde os interesses são divergentes, a
sociedade deve fornecer aos indivíduos um meio de ultrapassar as suas
diferenças através do diálogo e da negociação; a política tem, pois, como
objectivo providenciar meios de criar ordem a partir da diversidade. Já na
Grécia antiga Aristóteles defendia a política como meio de reconciliar a
necessidade de unidade da “polis” (cidade-estado)
grega com o facto de que a “polis” era um agregado de muitos membros.
As organizações são, também elas,
intrinsecamente políticas, na medida em que são constituídas por pessoas com
interesses diversos e, potencialmente, conflituosos, pelo que é necessário
criar meios para manter a ordem e direccionamento.
A grande maioria das pessoas que trabalha
numa organização facilmente admitirá (ainda que provavelmente, apenas em
privado) que estão rodeadas de lobbies de pressão e de outros grupos de interesse através
dos quais diferentes indivíduos procuram atingir determinados objectivos. Os
próprios gestores falam, também eles e por diversas vezes, em autoridade,
poder, e relações superior-subordinado. Daqui a
reconhecer estes assuntos como sendo inerentemente políticos, vai apenas um
pequeno passo ainda que, muitas vezes, o único direito democrático dos
trabalhadores resida na liberdade de abandonar a empresa e encontrar outro
trabalho.
Torna-se, portanto, claro que é possível
interpretar as organizações sob um ponto de vista político; como sistemas de
governo, que variam de acordo com os princípios seguidos, e como sistemas de
actividade política, onde imperam as relações entre interesses, conflitos e
poder.
organizações
como sistemas de governo
As organizações, tal como os governos,
utilizam sistemas de regras para criar e manter a ordem entre os seus membros.
Ao utilizar termos como “democracia” ou “burocracia” para descrever a natureza
de uma organização estamos, implicitamente, a traçar paralelos entre
organizações e sistemas políticos. Em todas estas palavras encontramos o sufixo
“cracia” – que deriva do grego “kratia”,
e que significa “poder” ou “governo” – precedido de um termo que indica a
natureza concreta do poder ou do governo empregues (por exemplo, o prefixo de
democracia deriva de “demos”, que significa “povo”, e “buro”
deriva de bureaux
que significa mesa, numa referência aos burocratas que se aí tomam as suas
decisões).
|
Descrição |
frase- |
Autocracia |
Governo
absolutista, estando o poder em posse de um indivíduo (ou pequeno grupo de
indivíduos), que é suportado pelo controlo de recursos críticos, por direitos
de propriedade ou posse, tradição, carisma, e outras razões para invocar
privilégios pessoais. |
“Fá-lo-emos
desta maneira.” |
Burocracia |
Governo
exercido através da uso da palavra escrita, que fornece a base para um tipo de
autoridade “racional-legal”, ou “governo pela lei”. |
“É suposto fazê-lo desta maneira…” |
Tecnocracia |
Comando
exercido através da utilização do conhecimento, poder especializado ou
habilidade para resolver problemas relevantes. |
“A melhor
maneira de o fazer é esta!...” |
Co-gestão |
Forma de
governo em que facções opostas encontram uma plataforma de entendimento para
administrar, em conjunto, interesses mútuos. |
“Como
fazê-lo de maneira a que todos tirem proveito?” |
Democracia |
Governo
exercido através da eleição de representantes que são mandatados para agir em
nome do eleitorado, e que permanecem em funções por determinado período de
tempo, ou enquanto mantiverem o apoio dos seus eleitores. |
“Como poderão
eles fazê-lo de maneira a que todos sejam beneficiados?” |
Democracia |
Sistema
onde todos têm igual direito de governar, tomando parte de todas as decisões,
como é o caso de muitas organizações comunitárias ou cooperativas, entre
outras. Encoraja a auto-organização como modo organizacional chave. |
“Como
poderemos nós fazê-lo de maneira a que todos sejam beneficiados?” |
Tabela 1
– Organizações e formas de governo
Muitas organizações são, ainda hoje, dirigidas
duma forma autocrática, por gerentes autoritários, detentores de um poder
considerável que advém, normalmente, das suas características pessoais, laços
de família ou prestígio dentro da organização. Exemplo óbvio será aquele dado
pelas empresas geridas pelo próprio dono com “mãos de ferro”.
Por outro lado, nas organizações burocratas,
o poder e a responsabilidade está intimamente ligado com o conhecimento, e
consequente uso adequado, das regras, e a forma de administração legal que isso
implica.
A tecnocracia tem, também ela, prosperado no
seio das organizações, visto ser comum em empresas flexíveis e sempre em
mudança – como a indústria electrónica e informática – já que, nestes domínios,
é o conhecimento que mais facilmente abre novos caminhos à fama e à riqueza.
Nestas organizações o poder e a influência tendem a fluir, à medida que
diferentes indivíduos sobem e descem na estrutura de poder de acordo com o
valor das suas contribuições técnicas.
O sistema de co-gestão, tal como o que vigora
em governos de coligação ou no corporativismo, reconhece explicitamente as
reivindicações antagónicas a fim de legitimar regras, que serão aceites tanto
pelos donos do capital, de um lado, como pelos empregados do outro. Como
exemplo de aplicação, pode tomar-se a legislação relativa às indústrias de
carvão e aço existente na ex-Alemanha Ocidental, que
prevê a formação de comités de supervisão com onze membros, sendo cinco eleitos
pelos accionistas, cinco pelos empregados, e o décimo primeiro eleito pelos
restantes dez. Porém, esta “incorporação” dos trabalhadores no processo de
administração pode ter efeitos contários: pode
reduzir o seu poder de discordância (visto fazerem, agora, parte do processo de
decisão), ou pode servir para desviar ou tornar difusa uma potencial oposição,
ao permitir que os empregados apenas sejam autorizados a exercer os seus
direitos democráticos em decisões de menor importância.
Pelo anteriormente exposto, os defensores da
democracia industrial têm vindo a sugerir que as organizações se devem
movimentar no sentido de criar formas de administração baseadas totalmente em
formas de controlo a cargo dos trabalhadores, como a auto-gestão. Este tipo de
sistemas difere dos esquemas de co-gestão na medida em que reconhecem que os
donos do capital e os trabalhadores têm direitos iguais, dissolvendo-se a
distinção entre capital e trabalho.
organizações
como sistemas de actividade política
A política organizacional brota do facto de,
no seio de uma organização, diferentes pessoas pensarem e agirem de modos
distintos; esta diversidade cria tensões que têm de ser resolvidas por meios
políticos.
Poder-se-á analisar a política organizacional
atentando nas relações entre interesses, conflitos e poder.
Ao falar de interesses, falamos de
predisposições para atingir objectivos, valores, desejos, expectativas e outras
orientações ou inclinações, que levam uma pessoa a agir de determinada maneira
em detrimento de outra. A metáfora política encoraja-nos a encarar as
organizações como sendo redes de pessoas com interesses divergentes, que se
juntam em função das circunstâncias, e se tal se mostrar oportuno.
Poder-se-ão dividir os interesses em três
domínios distintos, porém interligados; os relacionados com as tarefas, com a
carreira e com a vida pessoal.
Figura 1
– Interesses Organizacionais
Estes domínios podem interagir, mas também
manter-se separados. Ao trabalhar numa organização, tenta-se manter um balanço aceitável
entre estas três vertentes. Muitas pessoas conseguem atingir um elevado grau de
sobreposição entre fins e aspirações em conflito, delineando as suas tarefas a
longo prazo de forma a atingir todos os seus objectivos de modo simultâneo;
outros têm de se contentar com soluções de compromisso. Aliás, as tensões
interiores existentes entre os diferentes interesses que um indivíduo persegue
tornam a sua relação com o trabalho inerentemente política, mesmo antes de
levarmos em linha de conta a interacção com outros membros da organização.
Como exemplo, considere-se um executivo que
tem uma grande ideia. Esta ideia contribui para melhorar o seu desempenho no
trabalho, deixando-lhe mais tempo para o lazer; porém, ao reduzir a sua carga
de trabalho, ele pode torna-se menos visível, o que o tornará menos elegível
para uma eventual promoção… Mas pode até acontecer o contrário, a promoção pode
até ocorrer! O problema é que essa promoção pode acarretar um aumento das
tarefas, o que vai retirar tempo disponível à sua vida pessoal o que,
certamente, irá afectar o seu desempenho, pelo que o executivo poderá não
corresponder às expectativas que foram criadas…
O conflito surge quando os interesses
colidem, pelo que estará sempre presente nas organizações. Os conflitos podem
ser pessoais, interpessoais, ou entre grupos rivais ou coligações; podem estar
embutidos nas estruturas organizacionais, nos papéis, nas atitudes, nos
estereótipos ou surgir em função da escassez dos recursos; podem estar
implícitos ou explícitos. E são, por vezes, muito difíceis de detectar e
eliminar.
Mesmo quando as pessoas reconhecem a
importância de trabalhar em equipa, a natureza de determinado combina
frequentemente elementos contraditórios, que criam vários tipos de conflitos de
papel; elas têm de colaborar de forma a cumprir determinada tarefa comum, porém
são muitas vezes colocadas em oposição umas às outras ao competir por recursos
limitados, status ou promoções na
carreira. O próprio facto de haver mais trabalhos no fundo da escala
hierárquica de carreiras pela qual se regem as organizações implica que a
competição pelos lugares de topo seja dura, e que muitos dos competidores
fiquem pelo caminho.
Os trabalhadores sabem que, para manter os
seus empregos e o equilíbrio entre as três vertentes de interesse anteriormente
exploradas, têm de encontrar formas de derrotar o sistema, e fazem-no
habitualmente com bastante habilidade e astúcia. Veja-se o caso dos
escritórios, onde os funcionários jogam com impressos e horários de forma a
parecerem mais ocupados e produtivos do que aquilo que realmente estão; ou o
operário que encontra uma forma de conseguir que a máquina em que trabalha
destrua o produto, quando é solicitado para trabalhar num ritmo demasiado
elevado; ou mesmo os administradores que “incham” estimativas para criar
recursos extras que lhe dêem alguma margem de erro.
O poder é o meio através do qual os conflitos
de interesse são, em última análise, resolvidos. É o poder que influencia quem
consegue o quê, quando e como; envolve a habilidade para conseguir que uma
pessoa faça algo que, em circunstâncias diferentes, não teria feito.
O poder é catalogado por muitos como sendo um
recurso – algo que alguém possui – enquanto que outros o consideram uma relação
social caracterizada por algum tipo de dependência – como um tipo de influência
sobre algo ou sobre alguém.
As fontes de poder existentes no seio das
organizações, essas, são ricas e variadas, sendo também muitas as formas de as
utilizar para moldar a vida organizacional. Podem destacar-se as seguintes como
sendo as mais importantes:
1. Autoridade formal
2. Controlo sobre
recursos escassos
3. Uso da estruturas,
regras ou regulações organizacionais
4. Controlo sobre
processos de decisão
5. Controlo do
conhecimento e da informação
6. Controlo dos limites
7. Habilidade para lidar
com a incerteza
8. Controlo da
tecnologia
9. Alianças
interpessoais, redes e controlo da “organização informal”
10. Controlo das contra-organizações
11. Simbolismo e
administração do significado
12. Género sexual e
administração das relações entre sexos
13. Factores estruturais
que definem o estádio de acção
14. O poder que já se tem
discussão
e Conclusões
Após considerar a análise feita neste documento,
torna-se claro que há que aceitar a política como sendo um aspecto
incontornável na vida organizacional. A metáfora política encoraja-nos a ver
toda a actividade organizacional como sendo baseada em interesses, e a avaliar
todos os aspectos do funcionamento organizacional tendo isto em mente. Porém,
no meio de todas as vantagens desta perspectiva, há também que apontar algumas
fraquezas.
De entre as vantagens, destacam-se o facto de
não subestimar as relações entre o poder e a organização, colocando o conhecimento
do papel e o uso do poder no centro da análise, e o facto de nos encorajar a
reconhecer as implicações sociopolíticas de diferentes organizações.
Mas há também que referir o facto de esta metáfora
ajudar a deitar por terra o mito da racionalidade organizacional. Objectivos
que podem ser racionais para o interesse de algumas pessoas,
podem não o ser para outras, até porque ninguém é neutral quando se trata de
gerir uma organização. Os próprios gestores usam a organização como um
“guarda-chuva legitimador”, sob o qual perseguem uma variedade de cargos,
carreiras e interesses pessoais.
Desta vantagem, podemos extrapolar uma outra,
relacionada com o facto de a metáfora política nos ajudar a encontrar uma forma
de ultrapassar as limitações impostas pela ideia de que as organizações são
sistemas plenamente integrados. Outras metáforas, como as que fazem a
comparação com máquinas e organismos, sugerem que as organizações são sistemas
unificados, que interligam a parte e o todo numa busca pela sobrevivência;
porém, a metáfora política segue por outro sentido, apontando para as tensões desintegradoras que brotam dos diferentes conjuntos de
interesses sobre as quais elas são edificadas.
Finalmente, e ainda como vantagem, refira-se
o facto de esta metáfora politizar o nosso entendimento do comportamento humano
no seio das organizações, visto sermos levados a reconhecer que os interesses
organizacionais incitam o indivíduo a actuar politicamente duma forma que,
muitas vezes, constitui uma base motivacional.
Porém, do outro lado da moeda encontra-se o
facto de a sua excessiva utilização poder conduzir a uma excessiva politização
das organizações; começa-se a ver intrigas políticas em todo o lado, mesmo onde
não há nenhumas. A análise de interesses, conflitos e poderes dá facilmente
lugar a uma interpretação maquiavélica, que sugere que todos podem estar a
enganar e a manipular os demais. O uso desta metáfora inclui o perigo bem real
de se começar a gerar cinismo e desconfiança em situações onde nada havia.
Referências
bibliográficas
1.
Morgan, Gareth; “Images Of Organization” (2ª Edição); Sage
Publications, Inc.