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Genoma Humano:
Conhecimento Perigoso!

Índice

Resumo

  1. Introdução

  2. O Projecto do Genoma Humano
  3. O Genoma Humano
  4. Herança Genética
  5. Preocupações
  6. O nascimento de uma nova era
  7. Consequências
    1.  Um leque de novas opções
    2.  Poder económico
    3.  Indústria Biológica
    4.  Direito à informação
    5.  Diagnóstico pré-natal
    6.  Escolha de parceiro
    7.  Sentença de morte
    8.  Discriminação
    9.  Sentença de morte
  8. Conclusão
  9. Bibliografia



Resumo

O Projecto do Genoma Humano é um dos maiores programas científicos que a humanidade alguma vez se propôs. Maior pelos meios que mobiliza -- milhares de cientistas e investigadores, em vários países do mundo. Maior pelo próprio fim que se propõe atingir -- definir a posição relativa de cada uma das três mil milhões de letras contidas na dupla hélice do ADN e que fazem com que cada um de nós seja aquilo que é. Maior pelas expectativas médicas que abre -- a cura de todo um conjunto de doenças hoje resistente aos mais poderosos fármacos. Maior, pela grande interrogação que traz implícita -- poderão os Homens, e deverão, neste milénio, escolher as características da sua descendência como se de uma escolha por catálogo se tratasse?

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1. Introdução

O anúncio no início do ano 2001 da determinação da sequência completa do genoma humano inaugura uma nova fronteira da ciência. O ser Humano entra num novo mundo, ao mesmo tempo, fascinante e assustador. A ideia de mapear o genoma levantou desde o seu início em 1985 uma série de controvérsias. É esse mundo que aqui vamos discutir. Tentou-se, neste relatório, omitir os aspectos de natureza técnica relacionados com o genoma humano, referindo apenas alguns aspectos fundamentais. O tema central gira à volta das implicações éticas, sociais e legais que surgem com o conhecimento do genoma.

O texto divide-se nas seguintes secções:

  • O Projecto do Genoma Humano -- descreve essencialmente o objectivo do projecto.

  • O Genoma Humano -- define de uma forma simples o Genoma Humano.
  • Herança genética -- explica de forma sintáctica a relação do genoma com as características que herdamos dos nossos pais.
  • Preocupações -- descreve as preocupações suscitadas por vozes não concordantes com o projecto.
  • O nascimento de uma nova era -- recorda o nascimento da era da genética.
  • Consequências -- Nesta secção são enunciadas as possíveis consequências práticas relativamente a:

  1. doentes que necessitam de cuidados médicos;

  2. futuros pais que planeiam uma família;
  3. investidores prudentes que tenham de poupar para a sua pensão de velhice;
  4. companhias de seguros que tenham calcular os riscos actuais ao conceder um seguro de vida;
  5. futuros patrões ao calcularem a saúde e as competências dos seus trabalhadores

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2. O Projecto do Genoma Humano

O Projecto do Genoma Humano é um esforço internacional: não há apenas um, mas muitos projectos, com investigadores em diferentes laboratórios de diversos países estudando os genes que mais lhes interessam. O programa americano é de longe o mais bem financiado e coordenado. Tem sido chamado o Santo Graal da biologia moderna. Com um custo superior a dois mil milhões de libras, é o projecto científico mais ambicioso desde o programa APollo para colocar um homem na lua. Embora o Projecto do Genoma Humano possa ser comparado ao programa Apollo, ele transformará mais profundamente a vida humana e a história da humanidade que todas as invenções de alta tecnologia da era espacial. Este projecto trará uma nova compreensão e novos tratamentos para muitas doenças que afligem a humanidade.

O objectivo do Projecto do Genoma Humano é fácil de expor, mas audacioso no seu alcance: cartografar e analisar todos o genes da dupla hélice do ADN humano. O projecto revelará uma nova anatomia humana -- não os ossos, os músculos e os tendões, mas o esquema genético completo de um ser humano. Se há aqueles que afirmam que a nova anatomia genética irá transformar a medicina e aliviar o sofrimento humano no século XXI, outros, porém, vêem o futuro de um modo mais sombrio, e receiam que o projecto possa abrir a porta para um mundo povoado por monstros de Frankenstein e desfigurado por uma nova eugenia.

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3. O Genoma Humano

A herança genética recebida dos pais por uma criança no momento da concepção determina em muito o seu desenvolvimento posterior, estabelecendo características diversas como ter olhos azuis ou sofrer de uma doença grave. O genoma humano é o resumo de todas essas instruções genéticas herdadas. Cada organismo vivo, desde a bactéria até ao homem, tem o seu próprio genoma específico. Ao longo da dupla hélice do ADN estão inscritas as letras do texto genético. É um texto extremamente longo, porque o genoma humano contêm mais de 3 mil milhões de letras. Passadas para o papel, ficaria tão extenso quanto 800 exemplares da Bíblia.
Um erro numa única palavra -- um gene -- pode dar origem a uma doença. Um erro diferente no mesmo gene -- um engano em apenas uma letra de entre as cerca de 3 mil milhões -- é responsável por outras das doenças hereditárias mais vulgares. Sabe-se que mais de 4000 desses defeitos de um só gene afectam a humanidade.
Nem todas as anomalias hereditárias são necessariamente resultado de um defeito num só gene; vários genes podem actuar em conjunto para causar a doença.

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4. Herança genética

Os seres humanos herdam duas cópias completas do genoma -- uma da mãe, outra do pai. Em muitos casos, as cópias materna e paterna são ligeiramente diferentes: digamos que uma tem o código genético para olhos azuis, e outra para olhos castanhos; uma pode determinar o grupo sanguíneo O, enquanto a outra determina o grupo A. Por razões ainda não esclarecidas, algumas variantes de um gene parecem dominar sobre as outras. Assim, uma criança com uma herança mista para a cor dos olhos acabará normalmente por ter olhos castanhos, embora continue a possuir o gene "azul'' e possa transmiti-lo à geração seguinte. O facto de toda a gente ter duas cópias do genoma humano nas células do corpo e as duas cópias não serem idênticas é, em última análise, a base genética da semelhança familiar. É uma parte da razão pela qual os filhos se parecem com ambos os progenitores, embora não sejam idênticos a nenhum deles.

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5. Preocupações

Alguns dos fundadores do Projecto do Genoma Humano têm feito afirmações grandemente exageradas -- que o Projecto do Genoma Humano nos levará a compreender, ao nível mais fundamental, o que é ser humano. Há contudo uma legítima preocupação de que semelhante ênfase posto na constituição genética da humanidade possa distorcer o nosso sentido dosvalores, e levar-nos a esquecer que a vida humana é mais que a mera expressão de um programa genético inscrito na química do ADN.
Se devidamente aplicado, o novo conhecimento gerado pelo Projecto do Genoma Humano pode libertar a humanidade do flagelo terrível de várias doenças. Mas se o novo conhecimento não for usado sensatamente, ele encerra também a ameaça de criar novas
formas de discriminação e novos métodos de opressão. Ninguém estará imune, porque todos fomos formados pela herança genética que recebemos dos nossos pais. Muitas características, como a altura e a inteligência, não resultam apenas da acção dos genes, mas de subtis interacções dos genes com o meio. Quais seriam as implicações se a humanidade compreendesse, com precisão, a constituição genética que, dado um mesmo ambiente, predispões um indivíduo para uma inteligência mais elevada que outro indivíduo cujos genes
estivessem dispostos de modo diferente? O Projecto do Genoma Humano contém a promessa de que, em última análise, poderemos ser capazes de alterar a nossa herança genética se assim o desejarmos. E aí surge o principal problema moral: como poderemos garantir que, quando escolhermos, escolhemos correctamente? Que semelhante potencial é uma promessa e não uma ameaça?
Já uma vez no século passado a implacável curiosidade dos investigadores científicos revelou forças da natureza cujo domínio moldou o destino das nações e ensombrou as vidas de todos nós. Depois de a nuvem em forma de cogumelo se ter erguido sobre o deserto do Novo México para anunciar a era atómica em 1945, J. Robert Oppenheimer, o criador da bomba atómica, declarou:

"Sabíamos que o mundo não voltaria a ser o mesmo''.

Ao criar uma arma de destruição maciça, Oppenheimer concluiu que

"... os físicos conheceram o pecado;e esse é um conhecimento que não conseguirão perder''.

As opções que se colocam perante os geneticistas são menos precisas, mais subtis, e implicam o risco de, ao tentar fazer o bem, nos empurrar inadvertidamente para o pecado.

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6. O nascimento de uma nova era

Enquanto em 16 de Julho de 1945, é um marco apropriado para nascimento da era atómica, a era da genética nunca terá um nascimento tão claramente definido. Mas podemos ao menos datar a sua concepção. Em 1953, na Universidade de Cambridge, Inglaterra, dois jovens brilhantes, James Watson e Francis Crick, descobriram que o ADN, o mensageiro molecular da hereditariedade humana -- e da hereditariedade de todas as criaturas vivas na face da terra -- transportava a sua informação nas espirais de uma dupla hélice.

Embora a nossa época tenha assistido a descobertas científicas de colossal importância, que vão desde a teoria da relatividade de Einstein até à fissão nuclear que faz deflagrar a bomba atómica, vários galardoados com o prémio Nobel descreveram o feito de Watson e Crick como a maior descoberta científica do século XX.
Abre-se assim, o caminho à medicina preventiva. Se a partir da análise dos genes, se descobre que uma pessoa tem predisposição, digamos, para diabetes, será possível modificar a dieta alimentar desde uma idade precoce e reduzir as possibilidades dessa enfermidade.

 
Nota: O facto de um indivíduo ter predisposição para uma doença devido a um ou conjunto de genes "defeituosos'' não implica que esse indivíduo irá contrair a doença. Apenas tem maiores probabilidades de vir a contrair a doença do que um indivíduo sem predisposição.

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7. Consequências

    1. Um leque de novas opções

 Uma vez conhecido o programa inscrito pela natureza nos nossos genes, a tentação de alterar algumas coisas aqui e ali podem ser muito bem irresistível. Se a questão moral fundamental é a da escolha, de escolher correctamente entre as novas opções que o Projecto do Genoma Humano abrirá então a primeira tarefa essencial é identificar devidamente quais serão essas opções. Estaremos realmente no limiar do "supermercado genético'', por exemplo, em que os futuros pais podem vir comprar as características que gostariam de ver nos seus filhos?

Contudo, em algumas sociedades, em que são preferidas as crianças do sexo masculino, os pais já têm recorrido à tecnologia actualmente disponível para determinar o sexo de um feto e abortar selectivamente os do sexo feminino. Outros pais, no futuro, podem tentar o aborto selectivo dos fetos, até conceberem um cujos testes genéticos pré-natais indiquem a combinação certa dos genes da inteligência. A discussão sobre a inteligência tem-se centrado até agora apenas nas motivações e acções dos indivíduos como futuros pais. A sociedade pode estar também interessada, com o fundamento que houvesse muito mais pessoas inteligentes. Mais isto envolve dois perigos. Um deles é a questão elementar de que, tal como as pessoas, o carácter humano é mais do que a inteligência. o "valor'' de um ser humano, tanto moral como pessoal ou social, depende de muito mais que a sua capacidade intelectual. Há a tendência para definir a inteligência de um modo relativamente restrito, geralmente em relação com a aptidão escolar. Em termos da contribuição que um indivíduo pode dar à sociedade no seu conjunto, há outros traços tão importantes, se não mais.

A segunda objecção a qualquer envolvimento da sociedade em geral em tal assunto baseia-se na questão de saber quem deve controlar semelhante tecnologia e decidir quais as crianças que devem nascer mais inteligentes que a média.

A sociedade e o Estado podem, obviamente influenciar de muitos modos a decisão, mas isso é diferente de ditar qual deve ser a decisão. Permitir a intromissão do Estado ou da comunidade nesta área da vida privada com o objectivo de determinar os níveis de inteligência dos filhos de cada um, representa seguramente una intrusão a que a maioria deseja resistir. Mas a tecnologia para a conseguir uma descendência seleccionada será dispendiosa e o seu racionamento será inevitável. Se as decisões forem deixadas aos casais, então o racionamento será feito com base no preço e os ricos terão acesso preferencial. Por muito injusto que isso seja, pode ser preferível ao racionamento imposto pelo Estado.

 Genes determinam características físicas como a cor de olho.

A selecção das características dos filhos não se limitanecessariamente à inteligência. Alguns progenitores podem começar a praticar o aborto selectivo por razões insignificantes -- por exemplo, para terem filhos com olhos azuis em vez de castanhos.

Supondo que realmente existam genes da inteligência, genes responsáveis por comportamento anti-social, genes alcoólatras e drogados, genes neuróticos, genes de infidelidade. A questão é, como coloca Ztaz (1994), o que se pode fazer com esse conhecimento? Clotet (1995) alerta para o facto de que não se deve utilizar estratégias genéticas para solução de problemas sociais, reconhecendo um risco potencial para o surgimento de um movimento eugénico baseado no conhecimento do genoma.

É imaginável que dentro de algumas décadas os investigadores tenham conseguido, por exemplo, elaborar os perfis genéticos característicos de uma inteligência elevada. Veremos então alguns pais conceberem e abortarem selectivamente até obterem um feto com o perfil genético desejado?

Uma sociedade em que tais coisa possam acontecer, mesmo raramente, pode parecer profundamente desagradável, com a vida humana reduzida a pouco mais do que uma especificação genética e os pais a desejarem não já o melhor para os seus filhos, mas a calcularem como obter o melhor filho. É difícil imaginar que este procedimento ofenda ou prejudique alguém: pelo contrário, todos parecem beneficiados. As únicas ``pessoas'' prejudicadas são os fetos a quem não foi permitido nascer.

Devido à tentação de fazer mau uso de todos os novos conhecimentos, a sociedade deve decidir se precisa de estabelecer regras que impeçam os investigadores até de investigarem certos caminhos.

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    2. Poder económico

Economistas e industriais olham já para as possibilidades comerciais abertas pelo projecto do genoma. Segundo uma estimativa feita, os produtos derivados da investigação do genoma podem levar no ano 2010 a vendas de medicamentos no valor de 60 mil milhões de dólares. A comercialização dos produtos de Projecto do Genoma Humano será pelo menos tão importante e levantará no mínimo tantos problemas de política e de moral pública como qualquer outro aspecto do projecto. Enquanto os geneticistas podem procurar todos os 30000 genes humanos com o mesmo interesse, alguns deles serão comercialmente mais importantes do que outros. A menos que sejam tomadas medidas antecipadamente, podemos vir a encontrar-nos na situação paradoxal de ter de enfrentar graves problemas sociais resultantes da abundância de uma proteína "cosmética'' resultante de um gene (por exemplo, aquele que pretensamente faz aumentar o QI), enquanto continua o sofrimento humano porque ninguém está interessado em produzir medicamentos para tratar algumas doenças hereditárias. Os problemas morais surgem quando a terapia genética é aplicada não ao tratamento de uma doença reconhecida como tal, mas ao reforço de traços

existentes;não para corrigir erros da Natureza, mas para melhorar a Natureza.

Há um interesse comercial considerável no conhecimento dos genes das plantas de cultivo: o Japão, por exemplo, está particularmente interessado na genética do arroz; outros países estão voltados para o milho, o trigo, o tomate e a batata. Alguns produtores de tomate pretendem utilizar o conhecimento dos genes para modificar a sua forma -- obter tomates quadrados de forma a optimizar o empacotamento dos mesmos. Tal como animais de laboratório, outros investigadores examinarão os genomas dos animais domésticos como o gado bovino e os porcos, na esperança de um lucro comercial através do desenvolvimento de novas raças mais produtivas.

Mesmo sem estas considerações comerciais, o rastreio genético e o aborto selectivo criam por si mesmos novos problemas, porque seuma determinada doença se torna cada vez mais rara, poderá haver menos interesse para ela. Grande parte da investigação médica depende da caridade para obter fundos, e as instituições de caridade poderão ter maiores dificuldades em angariar dinheiros se houver menos casos de doença. Em última análise, muito do novo conhecimento gerado pelo Projecto do Genoma Humano traduzir-se-á em produtos lucrativos vendidos no mercado. Serão os princípios morais ou as considerações comerciais a decidir quais as descobertas a serem exploradas? Embora a moral e o comércio não estejam necessariamente em conflito, a questão das patentes sobre as sequências genéticas mostrou já as tensões existentes.

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    3. Indústria Biológica

Os negócios em torno do ADN transformaram-se numa industria altamente rentável em todo o mundo. O melhoramento genético das plantas permite-lhes adicionar características nutricionais, que de outra forma não seriam produzidas pela natureza. A introdução nas plantas um gene conferindo resistência a determinado herbicida, permite que, quando se espalha o herbicida, se extermine apenas a vegetação nociva e não a portadora do gene resistente.

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    4. Privacidade

 Um aspectoprimordial de qualquer plano para os testes genéticos é o da privacidade -- quem terá acesso aos resultados dos testes genéticos? À medida que, e, quando os testes genéticos estiverem disponíveis, a minha seguradora terá o direito de consultar os resultados?. À primeira vista, pode parecer um problema de fácil resolução através de legislação que simplesmente proibisse as companhias de seguros de terem acesso aos resultados dos testes. Mas a indústria de seguros poderia argumentar com razão que essa legislação lhe traria uma desvantagem injusta. Como a sociedade aceita já que as seguradoras tenham acesso às fichas médicas, alguns observadores acham que o acesso aos resultados dos testes genéticos constitui apenas a extensão de um princípio já aceite. Mas, permitirem às seguradoras o acesso aos registos médicos pode ser uma desvantagem para todos. Os indivíduos podem sentir que nada podem fazer quanto à sua constituição genética -- nascerem com ela, e não a escolheram, e não podem alterá-la -- pelo que não deviam ser penalizados por uma coisa sobre a qual não têm controlo pessoal.

Numa sociedade que respeite o direito à privacidade e à propriedade privada, haverá coisa mais pessoalmente privada do que a constituição do indivíduo? Pode-se portanto dizer que a informação sobre a constituição genética de uma pessoa deve permanecer do seu domínio privado. Mas a questão não é assim tão óbvia. As companhias de seguros existem para obter lucros, e fazem-no seleccionando as pessoas que seguram com base na perspectiva estatística de que os seleccionados são mais saudáveis que a média. Se alguém representa um risco mais elevado, a resposta é ou a recusa pura e simples do seguro, ou o aumento dos prémios. Todo o seguro é uma aposta. Se eu sei que tenho predisposição genética para uma doença cardiovascular, mas a companhia de seguros não sabe, estou em condições de mudar os dados da aposta: posso obter um seguro muito mais favorável. Por outro lado, a seguradora também pode tentar distorcer as estatísticas, recusando-se a cobrir as pessoas diagnosticadas como portadoras de um risco genético. Em tal circunstância, alguns observadores acham que a única via para ficar coberto seria arranjar um emprego que incluísse uma pensão profissional e em que não houvesse testes genéticos.

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    5. Direito à informação

 O Projecto do Genoma Humano é, em primeiro lugar e antes de mais nada, um programa de investigação para descobrir novos conhecimentos sobre a genética humana, e por isso a primeira questão a encarar é a da manipulação desse conhecimento: quem tem o direito a possuir informação sobre o ADN humano e quem deverá ter acesso a essa informação? À primeira vista, pode parecer que não há propriedade mais privada, nem informação mais pessoal e confidencial, que o esquema genético de um ser humano. Mas um momento de ponderação mostrará que isso não é verdade. Se eu for portador de uma doença genética potencialmente fatal que só se manifestará daqui por duas décadas, a minha futura cônjuge terá certamente o direito de saber isso agora, no interesse dos filhos ainda por nascer. Se eu quiser um fazer um seguro de vida, fará a companhia de seguros questão de que os meus genes sejam analisados? E se eu tiver tiver os genes "errados'', poderá ela recusar-me legalmente um seguro de vida? O diagnóstico genético produz também novos conhecimentos -- neste caso, não uma compreensão genérica da hereditariedade humana, mas informação específica sobre a herança genética de um indivíduo. Também aqui há problemas do direito de acesso a essa informação. Pessoa portadoras de um gene anómalo podem estar em risco de gerar filhos com a correspondente doença, ou de vir a desenvolvê-la mais tarde. O aspecto decisivo é que o diagnóstico genético será feito meses, anos, e por vezes décadas antes do aparecimento dos primeiros sintomas. Isso coloca um fardo quase intolerável de previsão sobre os ombros dos futuros pais -- se o diagnóstico é feito antes do nascimento da criança --, ou do indivíduo , se o exame é efectuado num adulto em risco de contrair a doença mais tarde.

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    6. Diagnóstico pré-natal

As crianças diagnosticadas in utero como afectadas por uma anomalia genética, mas cujos pais decidiram não interromper a gravidez, podem vir a questionar a decisão dos pais -- tanto mais quanto a incidência da doença se tornar rara e os que nascem com ela sofrerem um estigma proporcionalmente maior. Nos tribunais americanos foram já apresentados com êxito processos por uma "vida injustificada'' em que crianças com defeitos de nascimento obtiveram indemnizações. A simples ideia de de vida injustificada parece paradoxal, pois como pode uma criança existir injustificadamente? Privar alguém da vida é normalmente

considerado um acto injusto. ----- Seria o teste pré-natal moralmente permissível? A criança teria de viver com o conhecimento antecipado mesmo que, por opção de estilo de vida, lhe fosse possível evitá-la ou minimizá-la. Mas se não há possibilidade de prevenção, teria sido preferível a ignorância. Uma criança criada com esse conhecimento pode muito bem vir a odiar os pais por tê-la colocado no mundo com esse fardo. Seria então moralmente aceitável fazer abortar um feto com um teste positivo de diabetes de início tardio? A própria realização do teste pode condicionar a acção a empreender no caso de um diagnóstico positivo, não porque a doença seja causadora de incapacidade séria (que não é) mas porque o conhecimento do futuro o é.

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    7. Escolha de parceiro

 A ideia de rastrear em busca dos portadores visa dar às pessoas uma informação mais completa sobre o seu esquema genético e permitir-lhes uma escolha completamente informada ao tomarem decisões sobre descendência. Há várias opções para aqueles que sabem serem portadores de um gene maléfico. Podem usar o conhecimento para orientar a sua escolha de parceiro e só casar com alguém que saibam que não é portador; ou podem casar sem ter isso em conta e, se descobrirem que o seu parceiro também é portador, decidir ter ou não ter filhos. Se quiserem ter filhos, podem utilizar pela utilização de espermas ou de óvulos doados por alguém que não seja portador, ou podem adoptar uma criança. Outra opção é gerar um bebé pela via normal, mas fazer depois um teste pré-natal para ver se o feto está afectado e, se estiver, optar pelo aborto precoce. Uma última escolha informada é, naturalmente, ignorar toda a informação, mas ter filhos sem fazer uso dos resultados de qualquer teste. A experiência de tantas opções é qualquer coisa de novo na experiência humana -- talvez só os casais que desejam ter filho mas que não podem, tenham enfrentado qualquer coisa de semelhante em termos de tomada de decisões sobre reprodução. Para alguns observadores, pode parecer que há um benefício social generalizado resultante dessas opções: a tecnologia pode forçar-nos a todos a uma maior maturidade e responsabilidade ao considerar o legado genético que iremos deixar atrás de nós. Por outro lado, não podemos deixar de pensar que a tecnologia está a ultrapassar a maneira de as pessoas sentirem em relação umas às outras, e que poucos orientam as suas vidas pessoais e sexuais por essas escolhas lógicas. Neste cálculo de risco, não há lugar para os fracos, ou para aqueles que, no calor do momento, são simplesmente descuidados. Acima de tudo, esta é uma operação calculada e desapaixonada, e a maior parte de nós gosta de acreditar que a paixão tem lugar próprio nos assuntos de amor e da reprodução.

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    8. Sentença de morte

 Será que vale a pena fazer um teste genético para uma doença, quando não há esperança de tratamento ou sequer de melhoria? Um adulto cuja mãe ou pai morreu de uma doença específica hereditária, saberá sempre que está em risco de ter a doença. Isso é bom para aqueles que escapam à mutação, mas equivale a uma sentença de morte para aqueles que são portadores do gene fatal. Esse conhecimento irá inevitavelmente ensombrar os anos de saúde que restam antes que a doença se declare.

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    9. Discriminação

Existe hoje, já um certo tipo de discriminação genética nos locais de trabalho. O defeito hereditário do daltonismo é um interessante exemplo, por ter sido detectado muito antes da invenção dos métodos modernos de análise molecular. Alguns empregos são interditos a pessoas com essa anomalia: nenhum daltónico pode ser piloto de aviões comerciais. Aparentemente, esta parece uma boa razão para dizer que a constituição genética de uma pessoa não pode ser sua propriedade confidencial -- no fim de contas, é do interesse público que os aviões sejam pilotados com segurança e a incapacidade para distinguir o vermelho e o verde pode constituir um obstáculo sério. Mas o que importa aqui não é o facto de o portador do gene estar excluído de um determinado emprego, e sim que a exclusão surge porque a anomalia está efectivamente expressa -- é a real incapacidade que leva à interdição. A companhia aérea está interessada no efeito, não na causa, e o facto de o efeito poder denunciar parte da constituição genética do indivíduo é informação irrelevante.

A discriminação genética deste tipo é aceite por duas razões. Uma, porque a incapacidade afecta a segurança dos outros. A outra, simplesmente porque esses exemplos são extremamente raros, porque o nosso conhecimento das anomalias genéticas é relativamente escasso.

Existem diferenças genéticas como a cor da pele, que têm estado associadas a enormes diferenças sociais e económicas. Há ainda outras características humanas, como a inteligência ou a orientação sexual, que têm sido consideradas como sendo determinadas geneticamente (embora as provas sejam extremamente controversas), e aqueles que não são conforme as normas ou expectativas da sociais são severamente prejudicados e discriminados em muitas sociedades. Os potenciais empregados podem ser seleccionados mediante a sua não susceptibilidade a determinada doença profissional. Isto pode ser usado de forma a prevenir que indivíduos mais susceptíveis a determinado risco não sejam colocados em locais perigosos, beneficiando assim os trabalhadores. Por princípio os locais de trabalho devem ser melhorados de forma a não prejudicar os trabalhadores, e não, escolher os trabalhadores de forma a não ser necessário melhorar o ambiente de trabalho.

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9. Conclusão

Estão envolvidos riscos de rotulação, da invasão de privacidade, perda de auto-estima e discriminação. A principal aplicação da nova genética será provavelmente o diagnóstico pré-natal e, para alguns casais, resultará no aborto no princípio da gravidez afectada. É provável que os benefícios da nova genética sejam surpreendentemente pequenos. Na realidade, o diagnóstico genético terá provavelmente desvantagens significativas, incluindo o risco do estigma social e da discriminação no trabalho ou no mercado de seguros, se os resultados dos testes genéticos escaparem à privacidade do consultório do médico.

A pergunta mais importante a ser feita a curto prazo pelo Projecto do Genoma Humano, uma pergunta a que a sociedade ainda nem sequer começou a responder, é quem mais tem direito a conhecer o que está inscrito nos meus genes, e quem pode condicionar a minha actuação sobre esse conhecimento?Com o conhecimento e as técnicas de que dispõe, é como se o ser humano começasse a sentir que pode brincar de Deus. Pode criar, recriar, recombinar, mudar o curso natural da vida, a partir de agora também interferindo no próprio código genético. Fazer em minutos o que a Natureza levou milhões de ano para fazer. A partir de agora, a tentação de brincar de Deus, portanto, será grande. E é aqui que mora o perigo. Até onde vai isso?

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Bibliografia

  1. As Sete Questões Sobre O Código Da Vida, Público, 26 de Junho de 2000

  2. Catherine Baker, Your Genes, Your Choices, Exploring the Issues Raised by Genetic Research.
  3. Human Genome Project Presentation Materials -- disponível em www.ornl.gov/hgmis/graphics/slides/talks.html
  4. O Genoma Humano (links) -- disponível em www.fcsh.unl.pt/cadeiras/ciberjornalismo/setesites/GenomaHumano.htm
  5. O nosso fututro genético -- disponível em www.byweb.pt/genoma/
  6. Projecto Genoma Humano -- disponível em www.pgh.hpg.com.br/
  7. Tom Wilkie, Conhecimento Perigoso, Caminho, 1997.

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