A alteração do clima pelo Homem

A alteração do clima
pelo Homem

Maio/Junho 1998

Bruno Lucas Rino

rino@student.dei.uc.pt

Departamento de Engenharia Informática
Universidade de Coimbra
Portugal


Introdução
1. Factores que influenciam o clima a nível global
2. O efeito de estufa
  2.1 Como se processa
  2.2 Porque é essencial à vida
  2.3 Gases de Estufa e a actividade humana
3. A alteração do clima impõe-se
4. Medidas a tomar
  4.1 Preventivas
  4.2 Mitigantes
  4.3 Adaptação
Conclusão
Referências


Introdução

         A atmosfera da Terra é composta por finas camadas de gases. Graças aos gases dos níveis mais baixos da atmosfera, cria-se um ambiente onde a vida pode florescer. Uma das funções da atmosfera é proteger a Terra da perigosa radiação ultravioleta. Outra é garantir que a temperatura do planeta o torne habitável.
         Mas a atmosfera, a que nos habituamos a ter como garantida, está a mudar, por nossa culpa. As actividades humanas interferem num equilíbrio de que se sabe frágil. Será que podemos controlar a nossa interferência? Será que podemos acartar com as consequências?


1. Factores que influenciam o clima a nível global

         O Sol não bilha duma maneira constante. Variações na emissão de energia do Sol já ocorreram no passado, e tiveram efeitos visíveis: a "Pequena Idade do Gelo". Esta alteração climatérica verificou-se entre 1430 e 1850, e não foi um período glaciar; a temperatura caiu apenas 1--2°C. No entanto, esta pequena variação na temperatura foi acompanhada por Invernos rigorosos e tempestades violentas.

         Oscilações da Terra em redor do seu eixo, chamados ciclos de Milankovich, provocam variações na órbita terrestre em redor do Sol, que por sua vez alteram a distância entre o Sol e a Terra, são as principais causadoras das eras glaciares. A última era glaciar acabou há cerca de 18 000 anos, e a temperatura global aumentou 6-10°C até este período interglaciar que estamos a viver. E nessa última era glaciar, certas regiões nas latitude altas do hemisfério norte estiveram cobertas com camadas de gelo que podiam atingir 2000 metros de espessura!

         Uma vez na Terra, a forma como a energia recebida é devolvida também influencia o clima: se a energia é reflectida, ainda sobre a forma de luz, vai para o espaço; se, no entanto, esta for absorvida e mais tarde irradiada sob a forma de calor, pode voltar ao solo por intermédio do efeito de estufa. Por exemplo, quanto maior for a área de gelo maior a energia luminosa que é reflectida (o gelo é o melhor 'reflector' natural conhecido). Deste modo, as eras glaciares acabam por tornar-se ainda mais frias do que seria de esperar apenas pelos ciclos de Milankovich.

         A quantidade de poeiras no ar, determinado pela actividade vulcânica, têm um efeito de arrefecimento, ao não deixar passar raios solares. A quantidade de poeiras no passado pode ser quantizada pelo gelo que envolve bolhas de ar 'presas' no gelo.

         O mar acumula o calor que é enviado pelo Sol. As correntes marítimas podem transportar essa energia a grandes distâncias; a alteração da sua direcção e velocidade provoca modificações importantes no clima. O El Niño é disso exemplo: normalmente as correntes do Pacífico arrastam águas de superfície aquecidas pelo Sol para o norte da Austrália; sobre estas águas quentes formam-se nuvens altas de tipo cúmulo, provocando as chuvas as estação húmida do Verão; as águas mais frias, ricas em nutrientes, sobem à superfície ao largo da América do Sul, alimentando enormes cardumes de anchovas. Cada 3-5 anos, em ano de El Niño, os ventos alísios abrandam e as águas quentes ficam na costa da América do Sul. Para a Austrália representa um ano de seca e fogos florestais, para a Bolívia e Peru inundações, e para a indústria pesqueira fome.
         Um fenómeno mais abrangente que se pensa verificar-se por todo o lado (verifica-se, pelo menos, no inverno no mar da Groenlândia), consiste na 'correia transportadora', descrita há vários anos por Henry Stommel. Este fenómeno consiste na circulação tridimensional do oceano, e não tem só em conta as transferências horizontais descritas acima. As transferências verticais, entre a superfície e as profundezas do oceano, 'renovam' as águas, levando a água da superfície, rica em dióxido de carbono, para o fundo, aumentando assim a capacidade de absorção de dióxido de carbono do mar.

         As variações na composição da atmosfera são influentes quando se fala dos gases de estufa.
         O seu efeito na alteração do clima vai ser tratado com mais detalhe a seguir, mas a maioria dos cientistas estão convictos que a concentração dos gases de estufa é determinante, até porque nos últimos 160 000 anos, as variações da temperatura e dos gases de estufa têm tido uma estreita relação. A concentração dos gases de estufa podem ser medidas através da análise da bolhas de ar presas no gelo.

Estes dados foram obtidos através da análise de gelo no Antárctico. Os diferentes isótopos da água gelam a diferentes temperaturas e rapidez, pelo que a composição do gelo depende da temperatura a que foi formado. É claro que a temperatura do Antárctico não é a do planeta, mas parece que as suas temperaturas variam em simultâneo.

         Os efeitos de muitos desses factores são difíceis de quantizar. A análise do gelo antárctico não inclui factores importantes como as correntes marítimas, vapor de água, nuvens e neve, o que representa uma falha…
         Mas mais importante, que isso, é que este ponto de vista é muito simplista: supõe que para uma certa configuração dos factores que afectam o clima existe só um equilíbrio (supõe, portanto, que o passado não influi), e também que os factores que afectam o clima estão bem definidos.

         No entanto, quanto a alterações na temperatura global do planeta, a combinação dos vários factores parece suportar a teoria do aquecimento.



2. O efeito de estufa

         A teoria do efeito de estufa já é bastante antiga: foi há cerca de 200 anos, em França, pouco após a revolução, que Jean-Baptiste Joseph Fourier expôs a teoria.

2.1 Como se processa

         A ideia dele seria que a atmosfera seria como uma enorme estufa ("un effet de verre"), daí o nome da teoria.

         Os gases de estufa serão o telhado da estufa: O Sol emite os seus raios, que são em parte reflectidos (nas camadas mais altas da atmosfera) e absorvidos (em camadas mais interiores). Mas uma boa parte atravessa a atmosfera ilesa e aquece a superfície terrestre (excepto uma pequena parte que é reflectida quando chega ao solo). Mas a Terra não aquece infinitamente: a energia que absorve acaba por ser irradiada desta vez sob a forma de calor e não luz (tal como um aquecedor que ao receber energia eléctrica aquece, e acaba por irradiar a energia sob a forma de calor).
         Uma vez chegada à tropopausa (camada da atmosfera onde residem os gases de estufa), quase todo o calor é irradiado de volta, aquecendo de novo a superfície do planeta, sendo a temperatura exterior inferior à interior. Tal como sucede numa estufa!
         O 'truque' reside aqui: a energia, no seu caminho do Sol para a Terra, viaja sob a forma de luz, que tem um baixo comprimento de onda; quando tenta sair da Terra para o espaço, a energia viaja como calor, que tem um grande comprimento de onda (infravermelho). Ora, o que caracteriza os gases de estufa é a sua transparência às altas frequências e opacidade às baixas frequências!

2.2 Porque é essencial à vida

         Grande parte da energia que a Terra recebe do Sol é simplesmente irradiada de novo para o espaço, e dependemos disso para manter o planeta fresco - senão, a superfície da Terra aqueceria desmesuradamente como a de Vénus, que tem demasiados gases de estufa, e não seria possível vida.
         No entanto, o efeito de estufa mantém alguma da energia recebida, e dependemos disso para manter o planeta quente - senão, a superfície da Terra seria tão fria como a de Marte, que quase não tem atmosfera, e não seria possível vida.

         Vénus está tão próxima do Sol que não é possível a formação de rios. A água está evaporada e o planeta é como uma sauna gigante, com uma atmosfera pesada.
         Marte está demasiada afasta do Sol, o que também não permite a formação de rios; além disso, Marte não 'sofre' da deriva dos continentes, como a Terra, o que faz com partículas da atmosfera, uma vez presas na crosta, não possam ser libertadas como na Terra, através de erupções vulcânicas. Assim, a atmosfera de Marte é muito fina, e toda a água fica gelada no subsolo.

         Se o efeito de estufa não se produzisse, a temperatura média da Terra seria de apenas de -18°C (menos 33°C que actualmente)... E é por isso que devemos a nossa vida (em parte) ao efeito de estufa.

2.3 Gases de Estufa e a actividade humana

         São vários os processos naturais que contribuem para a concentração dos gases de estufa; no entanto, são fenómenos normalmente cíclicos que acabam por ser anular naturalmente.
         No entanto, a actividade humana começa a ter efeitos no clima, alguns dos quais imprevisíveis. No último século a concentração dos gases de estufa na atmosfera têm vindo a aumentar, retendo mais calor e aquecendo a atmosfera; não é por acaso que este período coincide com o início da revolução industrial.
         Desde o século XIX a temperatura mundial subiu cerca de 0,6°C. Pode não perecer muito, mas uma era glaciar também não está assim tão longe na escala Celsius; além disso, a não é só o valor mas a também taxa de variação que é alarmante: enquanto que o aquecimento desde a última era glaciar demorou muitos milhares de anos, este aquecimento foi muito mais rápido, e a tendência aponta para um aumento exponencial.

gás de estufa (GHG)

contribuição para o efeito de estufa

tempo de vida na atmosfera

crescimento anual

aumento nos últimos 100 anos

vapor de água [ H2O]

       

dióxido de carbono [ CO2]

60 %

50-200 anos

0.5 %

25 %

metano [ CH4]

15 %

10 anos

0.9 %

100 %

clorofluorcarbonetos (CFCs)

12 %

60-100 anos

4 %

 

óxido de azoto [ N2O]

5 %

150 anos

0.3 %

 

ozono (de baixa altitude) [ O3]

8 %

semanas

0.5-2.0 %

 

         Prevê-se que, em meados do século XXI, na ausência de contramedidas, o óxido de azoto aumente 50%, o metano aumente +100% e a concentração de dióxido de carbono tem vindo a aumentar regularmente no último século:
         - a queima de combustíveis fósseis liberta mais de 40 000 ton. de CO2/min;
         - a desflorestação dos trópicos liberta o carbono armazenado nas árvores: 700 ton./hectare;
         - o Brasil e a Colômbia já destruíram cerca de 14% da bacia amazónica.
         - durante os últimos 100 000 anos a concentração de dióxido de carbono foi de 180-280 partes/milhão. Actualmente situa-se nas 350ppm e em 2030 pode atingir 560ppm. Tal concentração poderá aquecer o planeta 2 a 5°C.


3. A alteração do clima impõe-se

         A Terra tem de irradiar a energia que recebe, mantendo o equilíbrio entre a energia que entra e a que sai. Com o aumento do efeito de estufa, mais energia fica retida na Terra. É um equilíbrio que se quebra, e que tem de ser restabelecido. Como? Esta é a grande incógnita.
         O efeito mais óbvio que se possa pensar é o aquecimento global do planeta: se o efeito de estufa aumenta, aumenta o calor na Terra! No entanto, este pode não ser o caso: o clima é de facto imprevisível - nós não acreditamos cegamente no boletim meteorológico! - e outras alterações podem levara que o aquecimento seja bastante inferior àquele que seria de prever. De facto, na maioria dos círculos científicos a questão já não é se o aumento dos gases de estufa vai induzir alterações climáticas, mas antes que alterações serão essas, e como qual o melhor processo de as medir.
         O que é importante reter é que o efeito de estufa magnificado afecta as trocas de energia que naturalmente ocorrem no meio; a temperatura não passa de uma das formas de energia.
         Assim, várias são as hipóteses de alterações climatéricas: o aquecimento global, como já foi dito, é a mais óbvia, embora não seja necessariamente a mais importante. Há alterações que são consequentes da aquecimento global: se, de facto, o aquecimento ocorrer, a subida do nível do mar (através do desgelo dos pólos e da expansão térmica da água) é quase certa. Por estes dois motivos o aquecimento global tem sido visto como a consequência directa do aumento no efeito de estufa.
         Outras alterações há que provavelmente vão ocorrer ainda antes que o aquecimento global seja visível, sendo no entanto por vezes ainda mais difícil de identificar como consequência: mudanças nos padrões das chuvas (que nos últimos anos parecem ter vindo, de facto a ocorrer), das correntes oceânicas, da formação de nuvens, mudanças na composição do solo, etc. Esta é uma teia de complexos factores que a ciência ainda tem por esclarecer.
         Já foram detectadas alterações nos padrões das chuvas no Hemisfério Norte: desde 1955, a zona entre os 5° e 35° tem tido uma diminuição nas chuvas, enquanto que entre os 35° e 70° tem aumentado. Resta responsabilizar o culpado....


4. Medidas a tomar

         Num mundo em que a energia é geradora de riqueza, 80% da energia gerada para uso humano provém de combustíveis fósseis.
         A juntar a tudo isto, a história da humanidade mostra-nos que não faz nada sem motivo; e se não vê alterações claras e óbvias, não age. No entanto, recentemente surgiram esperanças dum modo inesperado: as companhias de seguros. Porque as alterações climatéricas, ao provocar inundações, secas e outras catástrofes naturais, trazem-lhes muito prejuízo. Pena que seja praticamente apenas nos Estados Unidos que os seguros sobre catástrofes naturais são habitais; no entanto, como dizia o outro, que é que manda neste mundo?
         O que podemos (devemos) fazer? Se é difícil prever a evolução do problema, mais difícil é prever quando é que a Humanidade se vai sensibilizar para o problema. Qualquer acção vai depender do desenvolvimento de novas tecnologias que permitam o uso mais eficiente da energia.

4.1 Preventivas - Evitar a emissão dos gases de estufa

         A primeira medida preventiva - a mais óbvia - é conseguir acordo internacional sobre a emissão de gases de estufa, tal como se conseguiu em 1989, no Protocolo de Montreal, para a eliminar o uso de CFCs. No entanto, reduzir a emissão de dióxido de carbono, o principal gás de estufa, implicará mudanças na produção e diminuição do consumo de energia. E devido ao seu papel vital na economia das nações, torna-se difícil convencer os países a diminuir o consumo.
         Por outro lado, temos uma estratégia que até convém às economias nacionais, e por isso mais promissora: conseguir uma maior eficiência na produção e consumo de energia (por exemplo, substituir uma lâmpada incandescente de 75W por uma fluorescente de 18W poupa a emissão de 100 Kg de dióxido de carbono no tempo de vida da nova lâmpada, com a mesma capacidade de iluminação) e criar formas alternativas de produção de energia, que embora já existam, não são na maior parte rentáveis. A juntar a isto, interesses económicos de grupos multinacionais poderosos (produtores de energia) atrasam indefinidamente a criação de processos eficientes de consumo e de formas alternativas de energia.
         Evitar o uso do carvão: dos três principais combustíveis fósseis, este é o mais prejudicial (produz mais 80% de dióxido de carbono que o gás natural e mais 25% que o petróleo).

4.2 Mitigantes - Compensar as emissões de gases que ocorram

         A medida mais forte que ocorre nesta área é a reflorestação. Nos Estados Unidos, uma companhia produtora de energia construiu uma central térmica a carvão, e para compensar as suas emissões de dióxido de carbono, criou um plano para plantar 52 milhões de árvores de crescimento rápido (na Guatemala).
         No entanto, do ponto de vista económico seria mais económico e do ponto de vista ecológico seria melhor diminuir a desflorestação.

4.3 Adaptação - Assumir que não se pode a mudança é inevitável e acartar as consequências

         Posição típica de quem tem a perder (economicamente) com as outras medidas. Os políticos são normalmente cépticos, afirmando que não devem ser tomadas medidas antes de existir muito mais pesquisa que suporte a teoria do aquecimento global e das alterações climatéricas; deste modo, não são obrigados a fazer nada.
         As medidas a tomar dependem das mudanças que efectivamente ocorram:
         Criar enormes diques para proteger as terras da inundação consequente da subida do nível do mar.
         Através da manipulação genética criar novas plantas que aguentem temperaturas superiores e condições climatéricas adversas.
         Criar novas reservas de protecção animal, onde o clima passe a ser semelhante ao habitat natural das espécies.


Conclusão

         A alteração do clima está aí. Ainda há quem não acredite, mas ou têm motivos escondidos ou então são uma minoria pouco significante.
         Fomos nós que a provocámos: mais uma conclusão controversa, mas cada vez com mais adeptos.
         O efeito de estufa não é a única alteração, nem talvez a mais importante. Porque não somos omniscientes mas sabemos que a teia de transferência energética é complexa, demasiado complexa para a percebermos por enquanto.
         Temos de agir! Se quisermos que este não seja 'o fim do mundo tal como o conhecemos'!


Referências