Ética e Informática: Uma Introdução

 

por

 

Manuel Jorge Brandão Estêvão de Araújo

Departamento de Engenharia Informática

Universidade de Coimbra

3030 Coimbra, Portugal

maraujo@student.dei.uc.pt

 

 

 

 

Resumo: A revolução tecnológica a que temos assistido nos últimos anos fez com que os computadores tivessem uma grande influência na sociedade. Os engenheiros informáticos, como em todas as outras profissões, debatem-se com questões éticas, que dada a influência referida anteriormente podem colocar muita coisa em causa. Por isso, foram definidos códigos de ética para esta profissão, para que as suas considerações profissionais fossem as mais correctas possíveis. Existem vários códigos feitos por organizações diferentes, mas que são muito semelhantes entre si: todos eles possuem uma série de regras morais básicas, para depois se debruçarem sobre normas mais específicas de um ponto de vista profissional. Mas sem que as universidades colaborem, isso não vale de muito. É importante que os estudantes de Engenharia Informática compreendam os códigos de ética e que aprendam a fazer julgamentos com base neles, antes de irem para o mercado de trabalho.

 

 

 

1. Introdução

 

ética

 

do Lat. ethica < Gr. ethiké

 

s. f., ciência da moral;

moral;

Filos.,

disciplina filosófica que tem por objecto de estudo os julgamentos de valor na medida em que estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal.

 

A Engenharia Informática, tal como todas as outras engenharias, debate-se com questões de natureza ética. Os engenheiros informáticos têm cada vez mais peso na vida das empresas e das economias, e com isso têm uma grande responsabilidade sobre o futuro destas. Mas como é que essa responsabilidade é gerida pelos profissionais da informática?

Durante as últimas décadas assistiu-se à criação de vários códigos de ética para esta nova profissão e as universidades começaram a incluir a ética nos seus currículos. Este artigo tem por intenção oferecer uma introdução às questões éticas da Engenharia Informática e aos motivos que levam os estabelecimentos de ensino a incluir uma cadeira de componente não-técnica num curso tão técnico como este. O artigo começa por abordar a importância da informática na sociedade, passando depois para o ensino da ética nas universidades e finalmente para a uma explicação breve dos códigos de ética na profissão de engenheiro informático.

 

 

 

2. Informática e sociedade

 

Nos últimos anos tem-se assistido a um grande aumento da influência das Tecnologias de Informação na sociedade. Os computadores começam a ter um papel de importância cada vez maior na economia, na educação, no governo, na indústria de entretenimento. Como consequência disso, afectam cada vez mais a nossa maneira de viver e de ver o mundo. Um bom exemplo disto é o estado de ansiedade que se viveu nos últimos anos do século XX, quando a sombra do chamado “bug do milénio” provocou o pânico em várias empresas e serviços espalhados por todo o mundo. A responsabilidade sobre o futuro destas companhias recaiu então sobre os engenheiros informáticos e programadores contratados para prevenir problemas nos mais variados sistemas e máquinas, desde bases de dados de bancos e empresas, a máquinas registadoras e elevadores.

 

Com esta importância crescente do papel de engenheiro informático na sociedade e nas empresas, e com o futuro da Humanidade a assentar cada vez mais em computadores e aplicações informáticas, pede-se a estes engenheiros que tenham um forte sentido moral, ético e profissional, para que a aplicação dos seus conhecimentos seja a mais correcta possível.

 

 

2.1. A ética nos estudos

 

É tido como certo que um aluno universitário tenha já uma certa maturidade moral, mas no que toca às regras éticas de cada profissão, elas com certeza são desconhecidas no memento da sua entrada na universidade. É com isto em mente que os cursos de Engenharia Informática têm incluído no seu currículo uma cadeira de componente não-técnica, que tem em atenção a integração do futuro engenheiro no mercado de trabalho.

 

É necessário que os estudantes percebam – tal como é dito num relatório da ACM (Association for Computing Machinery) – “o contexto sócio-profissional em que a informática se insere”. Mesmo num campo tão técnico como é a engenharia, é preciso não esquecer a componente humana. Um engenheiro pode ter competências técnicas excepcionais, mas só isso não chega – ignorância de outras matérias que não as da sua profissão; deficiências no carácter e na capacidade de relacionamento; falta de moral ou de ética: todas estas características podem provocar situações de conflito e/ou gerar um mau ambiente de trabalho, o que no fim acaba por prejudicar o bom funcionamento de uma empresa. Claro que não é certo que uma cadeira que fale de ética profissional possa resolver todos, ou mesmo um que seja destes problemas. O que é importante é que o aluno tenha em atenção que situações deste tipo podem acontecer e que ele deve estar preparado para lidar com elas.

 

Sendo assim, uma cadeira que:

 

1.      explique ao aluno o impacto da sua futura profissão na sociedade;

2.      o ensine a lidar com situações profissionais menos correctas;

3.      o exponha a regras éticas e de conduta de modo a que o seu julgamento seja o mais profissional e correcto possível;

4.      no fundo, mostre ao aluno como funciona na realidade a Engenharia Informática e o que os empregadores, os clientes e o público em geral esperam de uma pessoa nessa posição;

 

é de uma utilidade sem dúvida inegável.

 

 

2.2 A ética na profissão

 

Mas quais são os códigos que regem a profissão de um engenheiro informático ou de software? Existem várias organizações, tais como a ACM, o ICCP (Institute for Certification of Computing Professionals), a IFIP (International Federation for Information Processing) ou a Ordem dos Engenheiros, que estabeleceram cada uma um código de ética para os seus membros. O IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) e a ACM desenvolveram ainda em conjunto um código de ética e prática profissional para Engenharia de Software. As regras destes códigos são muito semelhantes entre si, e estão normalmente divididas em 2 secções: uma para princípios mais generalistas, outra para situações profissionais específicas.

 

As regras mais gerais consistem normalmente em obrigações morais que se devem aplicar a todos os profissionais e não apenas aos engenheiros. Essas regras resumem-se geralmente às seguintes:

 

[O engenheiro deve:]

 

·        Aceitar toda a responsabilidade pelas suas acções;

·        Ser justo e evitar actos discriminatórios;

·        Rejeitar qualquer tipo de suborno;

·        Evitar fazer danos na reputação, propriedade ou integridade física de outrem;

·        Respeitar a privacidade dos outros – esta é particularmente importante no caso da informática. Um engenheiro informático tem muitas vezes acesso a recursos que contêm dados pessoais ou confidenciais de indivíduos/empresas. Assim, é uma obrigação dos profissionais proteger esses dados de acessos não autorizados e evitar a sua utilização para fins menos lícitos.

 

Já no caso das responsabilidades profissionais mais específicas:

 

·        Melhorar a percepção que o público tem da informática e das suas consequências – é importante que o público não tenha uma visão errada do que é a informática e das suas consequências na sociedade. Cabe ao engenheiro educar e estimular o interesse do público para o impacto que a informática tem no mundo;

 

·        Não utilizar software obtido de forma ilegal ou menos ética, e respeitar as patentes e direitos de autor – esta é uma regra que muitas vezes não é seguida já que existe uma grande facilidade na obtenção de software pirateado ou informação na Internet. Essa facilidade não deve justificar o uso de software sobre os quais não se tem direito, ou o uso de informação sem depois dar crédito ao seu autor;

 

·        Não aceder a recursos informáticos ou de comunicações sem autorização – como foi estabelecido em duas das regras gerais indicadas acima, o engenheiro deve respeitar a privacidade e evitar fazer danos na propriedade dos outros. O acesso a redes informáticas, computadores e aos dados que se aí encontram sem a devida autorização dos seus proprietários viola estas regras, além de ser considerado crime.

 

·        Assegurar-se de que o software produzido tem todas as especificações documentadas, satisfaz as necessidades dos utilizadores e que tem todas as aprovações necessárias para a sua utilização sem que ele constitua perigo para os dados e privacidade dos mesmos;     

 

·        Esforçar-se por manter ou melhorar as suas competências técnicas ao longo da sua vida profissional – isto pode ser conseguido estudando de forma independente, inscrevendo-se em cursos de formação, participando em conferências e seminários, etc. Esta regra é bastante importante na informática, já que a tecnologia evolui de uma forma bastante rápida e é essencial manter-se actualizado.

 

 

No fim, cabe a cada um aplicar estas normas na sua vida profissional e é um dever moral encorajar e ajudar os companheiros de profissão a segui-las.

 

 

 

3. Conclusões

 

Foi demonstrado neste artigo a importância de ter a educação adequada no ensino superior no que diz respeito aos códigos de ética de cada profissão. Mostrou-se também uma lista resumida do que são as regras éticas da Engenharia Informática, da sua importância na vida profissional e do impacto que elas têm na sociedade. O carácter introdutório do artigo não deixa que algumas coisas sejam debatidas de uma forma mais complexa, mas convida o leitor a interessar-se pelas questões éticas e morais com que os profissionais da informática se debatem.

 

 

 

4. Referências

 

Task Force for the Revision of the ACM Code of Ethics and Professional Conduct (1992) ACM Code of Ethics and Professional Conduct,

http://www.acm.org/constitution/code.html

 

IEEE-CS/ACM joint task force on Software Engineering Ethics and Professional Practices (1999) SOFTWARE ENGINEERING CODE OF ETHICS AND PROFESSIONAL PRACTICE,

http://www.computer.org/tab/seprof/code.htm

 

IEEE (1990) IEEE Code of ethics,

http://www.ieee.org/portal/index.jsp?pageID=corp_level1&path=about/whatis&file=code.xml&xsl=generic.xsl

 

Research Center on Computing & Society at Southern Connecticut State University, Excerpts from Proposed IFIP Ethics Codes, Appendix: Codes of Ethics of Various Organizations,

http://www.shouthernct.edu/organizations/rccs/resources/reseach/comp_and_priv/appendix-II/table6.html

 

Ordem dos Engenheiros (1992) Código deontológico,

http://www.ordeng.pt/html/destaque/etica/c_coddeontologico.html

 

Alessandro Candido Vasconcellos (07/07/2003)

http://inforum.insite.com.br/1411/667196.html

 

Messerly, Dr. John G., Why Should Computer Science Majors Take A Computer Ethics Course?,

http://www.cs.utexas.edu/users/messerly/349/Reflection.htm

 

Gotterban, Don and Robert Riser, Ethics Activities in Computer Science Departments: Goals and Issues,

http://www.cs.utexas.edu/users/ethics/professionalism/ethics_activities.html